Título: Ataque à pobreza
Autor:
Fonte: O Globo, 04/02/2005, Opinião, p. 6

O governo federal começa a esboçar um programa de planejamento familiar preparando-se para arcar com a totalidade dos gastos na aquisição de pílulas, preservativos e realização de cirurgias gratuitas para laqueadura das trompas de mulheres que não desejem ter mais filhos.

Ainda que esse tipo de programa sofra as restrições de sempre, especialmente por parte da Igreja, é preciso levá-lo em frente o quanto antes para que o Brasil consiga agir diretamente sobre uma das fontes que mais contribuem para o aumento da desigualdade no país, que é a grande diferença da taxa de fertilidade das pessoas mais humildes em relação à média da população.

A situação chega a ser alarmante até mesmo nas regiões metropolitanas, onde mesmo as camadas mais humildes da população têm acesso aos sistemas de saúde e educação. Na última segunda-feira, O GLOBO reproduziu o depoimento de alguns invasores de uma fábrica abandonada na região da Avenida Brasil, e a característica comum dos sem-teto, fugitivos da violência que tomara conta de uma favela vizinha, era a prole numerosa. Uma jovem de 19 anos, desempregada, mãe solteira, se declarou invasora por não ter mais condições de viver na mesma casa com oito irmãos. Uma outra senhora desse grupo é mãe de treze filhos, aos 39 anos.

A gravidez precoce é fato que se tornou comum nas comunidades carentes, e não há como se fechar os olhos para esse fenômeno preocupante, se realmente o país pretende reduzir de maneira expressiva a pobreza e a miséria. Por mais que se busque criar igualdade de oportunidades, famílias humildes com prole numerosa sempre ficam em desvantagem, pois dificilmente conseguem deixar os ambientes degradados onde vivem.

Assim, antes de mais nada, só haverá efetivamente igualdade de oportunidades quando as taxas de fertilidade das mulheres com renda muito baixa, e pouca ou nenhuma instrução, se aproximarem das que se verificam no restante da população.

E para que isso se concretize é preciso um programa oficial de planejamento familiar voluntário, em grande escala, capaz de alcançar todos os que hoje dele necessitam.