Título: A saúde e o botequim do prefeito
Autor: CARLOS EDUARDO DE MATTOS
Fonte: O Globo, 04/02/2005, Opinião, p. 7
Me dê um pastel de carne... ¿ Carne não tem! ¿O que tem? ¿ Só tem queijo! ¿ Fazer o quê? ¿ Serve... quem não tem cão caça com gato!.
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¿ Precisamos de Penicilina... ¿ Só temos Gentaminicina, e pouca! ¿ Fazer o quê? Vamos tentar. Em reportagem publicada no GLOBO (29/1), o chefe do Poder Executivo municipal comparou a saúde pública da cidade do Rio de Janeiro a um botequim à beira da falência. Mestre Aurélio define botequim como bar de pequeno porte. Infelizmente temos de concordar com o senhor prefeito. Afinal, os valorosos profissionais de saúde trabalham sob uma gestão municipal de saúde de pequeno porte, em plena era do genoma e do transplante de células-tronco.
Como em um botequim, nossos médicos só podem dar à população o produto que está disponível, mesmo não sendo aquele o mais indicado. Para uma pneumonia que só pode ser tratada com o antibiótico X (em geral inexistente, apesar de fazer parte da lista dos padronizados), usa-se o antibiótico Y, por ser o único à disposição.
A falta de analgésico é suprida com o velho fiado na farmácia ou pedindo-se à própria família que o compre. Se não há fralda geriátrica, ainda segundo o senhor prefeito, nada há que ser feito a não ser observar nossos idosos nus, em uma maca gélida, sem colchão, nem roupa de cama. Se não há ar condicionado, ora, a solução é simples: opera-se a uma temperatura de 32 graus, com suores sendo despejados nas cavidades abertas.
Na verdade, nossa saúde pública poderia também ser comparada a um minizoológico de pragas, onde não faltam roedores no Hospital do Andaraí, cupins no Hospital de Ipanema e até pulgas no Hospital Rocha Faria. Porém, na visão da maioria da população excluída de um plano de saúde e que precisa contar com a obrigação do poder público em fornecer saúde gratuitamente, a comparação real deveria ser com o velho ¿trem fantasma¿ de nossa infância. Pois podemos ver toda as formas de horrores fruto da inércia e da incompetência dos gestores.
Horrores como graves infiltrações e alagamentos de unidades de terapia intensiva e centros cirúrgicos; deficiência de respiradores nas principais emergências; pacientes acomodados em macas enferrujadas sem grades, em cadeiras e até em pias; carência de vigilantes para suprir a mínima segurança necessária; falta de comida; focos de luz, oxímetros e tomógrafos inoperantes; impossibilidade de se fazer até mesmo um simples hemograma por falta de reagentes. Sem falar na superlotação das emergências por falência da tão importante e esquecida rede básica de saúde, que fecha, invariavelmente às 16 horas, fazendo com que os mais necessitados tenham de recorrer a unidades de saúde distantes de sua residência.
A população está cansada deste jogo de empurra, em que se tenta pôr a culpa dos descasos públicos nas mais variadas esferas de poderes. Não quer mais saber de quem é a culpa disto ou daquilo, enquanto somos testemunhas de mortes que poderiam ter sido evitadas. Está farta de número e jogos contábeis com os quais se tenta enganar o povo com a tão complexa linguagem do economês. Quer, sim, desde o simples analgésico para tirar a dor no momento do desespero, até o bom senso dos governantes para tratar nossa saúde pública sob a ótica humana e social do problema e não apenas com o vergonhoso prisma financeiro.