Título: O milagre do superávit da governadora
Autor: NELSON ROCHA
Fonte: O Globo, 04/02/2005, Opinião, p. 7
O Fundo de Combate à Pobreza gerou, em 2004, para o Estado do Rio de Janeiro, uma arrecadação de R$ 1,3 bilhão. Foi o que proporcionou ao atual governo do estado a divulgação do superávit orçamentário de R$ 91 milhões.
É necessário que sejam esclarecidas a verdadeira situação financeira do Estado do Rio e as atrocidades cometidas, mais uma vez, contra a população fluminense, fruto da irresponsabilidade fiscal praticada há décadas ¿ e perpetuada, pois, segundo eles, através do Fundo de Combate à Pobreza, conseguiu-se recuperar as finanças estaduais.
A Lei de Responsabilidade Fiscal não deve ser interpretada apenas como uma análise simplista de atingir determinados indicadores. Ela deve ser avaliada como instrumento à moralização de conduta dos administradores públicos, no compromisso com o equacionamento sustentado das finanças públicas.
Portanto, há que se analisar adequadamente as ações praticadas pelos governantes em seus mandatos, de forma sistêmica e dinâmica, vislumbrando as conseqüências dessas ações sobre os futuros governos e futuras gerações.
Desde o primeiro mandato dos Garotinho, a prática tem sido sempre a de resolver os problemas financeiros de seus governos com os recursos futuros. Foi assim em 1999, onde se comprometeu o royalty dos 20 anos seguintes, concentrando o seu recebimento nos anos de 2000 e 2001 e projetando o maior pagamento da dívida a partir de 2002. Aumentou-se a despesa de caráter continuado de tal forma que a Receita Corrente Líquida não cobria sequer o pagamento das despesas de custeio, dentre elas o pagamento da folha de pessoal. Só para se ter uma idéia, a despesa de pessoal foi aumentada de 2001 para abril/2002 em torno de R$ 200 milhões por mês.
Utilizou-se dos recursos aportados no Fundo de Previdência, da conta ¿A¿ do Banerj e dos CFTs (Certificados Financeiros do Tesouro) da antecipação dos royalties, na ordem de R$ 6 bilhões. Aliás é digno e justo que se esclareça de uma vez por todas que quem conquistou o volume atual de royalties para o nosso estado foi o ex-governador Marcello Alencar, que nunca teve o reconhecimento público e verdadeiro dessa conquista, possibilitando uma receita extraordinária para o Estado do Rio de Janeiro.
Depois de toda a inconseqüência populista praticada, alguém teria que pagar a conta para alcançar o reequilíbrio financeiro e, como a reforma fiscal no Brasil sempre foi feita do lado da receita, quem de fato paga a conta é o meu, o seu, o nosso dinheiro, pois o povo fluminense, sem perceber, teve um aumento do ICMS de 5% nos serviços de eletricidade e comunicação, além de 1% sobre os demais produtos. O ICMS é um imposto indireto e, portanto, recai impiedosamente e indiscriminadamente sobre pobres e ricos. Mesmo com o subsídio cruzado, no caso das tarifas de energia elétrica, houve, na realidade, um disfarce. Engana-se o povo fluminense achando que está contribuindo para a diminuição da pobreza de nosso estado, pois o próprio pobre está pagando a conta.
Como se não bastasse o custo tributário para a sociedade, a antecipação de recursos futuros volta a ser utilizada, comprometendo o próximo governo, pois os Certificados Financeiros do Tesouro que seriam recebidos de 2007 a 2009 foram antecipados, o ICMS cobrado na plataforma da Petrobras será deduzido em 48 parcelas quando entrarem em operação as plataformas P-43 e P-48 e os recursos da conta ¿B¿ da privatização do Banerj também estão sendo utilizados. Todas essas antecipações representam mais de 1,5 bilhão de reais de recursos dos governos futuros.
Um dos problemas da desinformação reside no fato da contabilidade pública, por exigência legal, evidenciar as receitas pelo regime de caixa e não de competência. Caso fosse pelo regime de competência, possibilitaria apropriar a receita lançando-a em cada ano correspondente. Ainda que não resolvesse o problema financeiro, pelo menos se faria justiça ao resultado alcançado por cada governo, pois os recursos de fato foram antecipados. Por isso que se torna imprescindível regulamentar o artigo 165 da Constituição Federal, para dar forma ao princípio que norteou a lei complementar 101/2000, o da Responsabilidade Fiscal.
Em síntese, a propalada solução financeira do estado não existe. Ao contrário, a síndrome do cupim volta com carga total, corroendo os ativos conquistados por outros governos e sobretudo pela população de nosso estado.