Título: Raimunda, só em casa
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 04/02/2005, O País, p. 9

Depois de conviver por 36 anos com as piadas e rimas de mau gosto que seu nome ensejava, a faxineira Maria Raimunda Ferreira Ribeiro conseguiu obter no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o direito de trocar de nome. Maria ela manteve. Mas no lugar de Raimunda, ela ostentará agora na identidade Isabela. Seu novo nome será Maria Isabela Ferreira Ribeiro.

Mesmo antes da decisão judicial, era assim que a faxineira já se apresentava para fugir de eventuais constrangimentos. A decisão do STJ foi tomada com base na Lei de Registros Públicos, de 1973, segundo a qual quem carrega um nome ¿suscetível de expor ao ridículo o seu portador¿ tem o direito de mudá-lo.

Mas não foi fácil passar de Raimunda para Isabela. A maranhense teve seu pedido negado pela primeira e segunda instâncias da Justiça. Os magistrados argumentaram que o nome da dona-de-casa existe e é bem comum no Maranhão, onde ela nasceu. O problema é que Raimunda não mora mais em seu estado natal, mas em São Gonçalo, Rio de Janeiro, onde os vizinhos se revelaram implacáveis.

Raimunda não desistiu. Em recurso, desta vez à mais alta corte de Justiça, ela sensibilizou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso. A ministra discordou das decisões das instâncias anteriores ao sustentar que não era mero capricho da dona-de-casa, mas de ¿necessidade psicológica profunda¿.

A relatora também considerou como justificativa o fato de a autora da ação já ser conhecida em seu meio social como Maria Isabela. A 3 Turma do STJ concordou com Nancy.

Raimunda entrou com o pedido de mudança de nome na Vara de Família de São Gonçalo. Alegou ser alvo de troças em sua vizinhança e no seu local de trabalho e, por isso, teria adotado o nome Maria Isabela. O juiz negou o pedido ao argumentar que o nome em questão era perfeitamente normal, incapaz de provocar situações ridículas ou humilhantes. Essa decisão foi mantida, por unanimidade, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

De acordo com a Lei de Registros Públicos, os oficiais dos cartórios não podem registrar nomes que façam a pessoa ser ridicularizada no futuro. Se os pais insistirem no registro, os oficiais podem submeter o caso à decisão do juiz competente. Se ainda assim uma pessoa se sentir prejudicada pelo nome que carrega, ou por eventual erro de grafia no registro, pode pedir à Justiça a mudança dos documentos.

Maria Isabela é faxineira no CTI da Clínica São Vicente, no Rio, e mora no Jardim Catarina, em São Gonçalo. Em casa, ainda é chamada de Maria Raimunda, porque a família não se acostumou com o novo nome.