Título: ASAS DO PLEBISCITO
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Fonte: O Globo, 08/02/2005, Panorama Político, p. 2

Este ano não tem eleição mas haverá votação. Está marcado para outubro o referendo ao Estatuto do Desarmamento, devendo os brasileiros decidir se a venda e o porte de armas devem continuar proibidos. Como o custo da consulta é o mesmo, para uma ou dez perguntas, há emendas tramitando no Congresso sobre inclusão dos mais variados temas.

A mais abrangente delas é a do senador Gerson Camata, que acha oportuna a manifestação popular a respeito de temas polêmicos sobre os quais o Congresso nunca se anima a decidir: aborto, redução da idade penal, união civil de homossexuais, prisão perpétua para crimes hediondos e similares.

O deputado Miro Teixeira reapresentará a emenda pela qual brigou muito na legislatura passada, propondo aos eleitores que o próximo Congresso, a ser eleito em 2006, tenha poderes constituintes restritos para votar a reformulação de dois aspectos centrais da Constituição, o sistema tributário e o pacto federativo. A mini-Constituinte, como já foi chamada.

¿ Há uma década este país reclama da carga tributária e da má distribuição de recursos entre a União, estados e municípios. O projeto de desenvolvimento não avançará sem a superação destes dois problemas, que não serão resolvidos com queixas ou com emendas isoladas. É preciso dar aos próximos congressistas o poder constituinte originário para passar estes capítulos a limpo ¿ diz Miro.

E somente estes, esclarece, brincando que nem o capital nem o trabalho precisam se apavorar. Tal como na proposta anterior, que previa esta revisão restrita pelo atual Congresso, ela ocorreria num prazo determinado e pelo quórum de três quintos, já usado para aprovar emendas constitucionais. A votação seria bicameral, primeiro a Câmara, depois o Senado. A diferença é que seriam discutidos e votados capítulos em bloco, redesenhando o sistema tributário de que todos se queixam, e estabelecendo nova partilha entre os entes federativos, tanto de recursos como de encargos sociais.

Fernando Henrique ensaiou apoiar a proposta mas nunca orientou sua base aliada neste sentido. Para vingar, ela dependerá sempre do apoio do governo de plantão. E os governos nunca estão interessados em mexer num sistema tributário que vem concentrando recursos nas mãos da União. Miro acha que a sociedade vem dando sinais de estar no limite da convivência com tal sistema concentrador, e que um governo inteligente terá que compreender isso e antecipar-se politicamente.

Camata acha que se poderia consultar o eleitorado também sobre alguns temas da reforma política ¿ como financiamento público de campanhas e sistema de eleição parlamentar por listas fechadas. Se aprovados, o futuro Congresso estaria obrigado a adotá-los, não tendo mais a desculpa de que não há consenso entre os partidos para aprovar as mudanças. Teriam apenas que cumprir uma ordem popular. Miro acha dispensável.

¿ Há uma reforma política em curso, que é a vigência da cláusula de barreira. Se ela não for suprimida ou reduzida, como querem alguns, a partir de 2006 teremos apenas seis ou sete partidos. Isso produzirá mudanças positivas e muito significativas sobre o sistema político. Se esperarmos, já estaremos fazendo alguma coisa.

Miro Teixeira oficializou seu desligamento do PPS na quinta-feira passada, esperando talvez que o rumor do carnaval abafasse uma decisão que não está interessado em discutir.

¿ Saí por motivos pessoais, e isso me dispensa de discutí-los.

Na vida partidária, entretanto, os motivos pessoais têm sempre razões políticas. Em dezembro, Miro foi contra o rompimento do PPS com o governo Lula, que agora resultou no desligamento do ministro Ciro Gomes e de outros membros do partido.