Título: Falsa proteção
Autor:
Fonte: O Globo, 08/02/2005, Opinião, p. 6

Na Febem paulista repetem-se as crises sucessivas, com denúncias de tortura, fugas e rebeliões de menores; enquanto isso, levantamento do governo constata que em quase mil cidades brasileiras há prostituição de menores. Não bastasse tudo isso, crianças cheirando cola ou solvente e esmolando nas ruas - quando não assaltando - são um espetáculo comum nas grandes metrópoles.

Essa é a realidade para a qual foi criado um Estatuto da Criança e do Adolescente que, com enorme dose de paternalismo, assegura aos menores todos os direitos, inclusive o de ficar nas ruas. Na prática, ele serve apenas para garantir que, mal são recolhidas e levadas aos abrigos, as crianças abandonadas fujam outra vez. Às vezes, o tempo que ficam na instituição não chega a meia hora.

Que é preciso punir e impedir que voltem a trabalhar na Febem os funcionários que espancaram os menores, não se discute. Mas não se pode tratar o problema como se fossem incidentes isolados, quando é clara a necessidade de uma reforma em todo o sistema - reforma que deve alcançar não só os abrigos como também a legislação, para que ela se torne menos irrealista.

Deixar que uma criança que vive na rua ali permaneça, por considerar que esse é um direito seu, não é protegê-la: é, na verdade, abandoná-la. Por mais que isso seja considerado proteção pelo Estatuto.

E se viver no abrigo para onde o menor eventualmente é levado é para ele pior do que dormir debaixo de uma marquise, então a lei e a prática do Estado somam-se para perpetuar a pior das situações.