Título: Desconhecimento
Autor:
Fonte: O Globo, 08/02/2005, Opinião, p. 6

O Brasil foi o primeiro país da América Latina e um dos primeiros do mundo a elaborar uma legislação fundada na doutrina da proteção integral aos direitos da criança e do adolescente. A Constituição de 1988, em seu artigo 227, garantiu expressamente os direitos fundamentais do menor: "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

Dois anos depois, em 1990, com a instituição do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), tais direitos fundamentais emanados da Carta foram ratificados pelo artigo 15 do referido Estatuto. Vejamos: "A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Carta e na lei."

Vislumbra-se, desse modo, que a legislação pátria é perfeitamente consoante com a perspectiva de valoração dos direitos humanos amplamente apregoada nos tratados e nas convenções internacionais que rezam sobre a proteção aos direitos infantis. Poucos países possuem uma legislação especial como a nossa.

Criticar o ECA é desconhecer o seu conteúdo e desconsiderar a sua importância social. Precisamos entender que as mudanças na atual situação da criança e do adolescente em nosso país não dependem de alterações legislativas e muito menos da confecção de novas leis, mas do compromisso do Estado, da sociedade e principalmente da família na aplicabilidade cotidiana dos direitos conferidos às crianças e aos adolescentes.

É fundamental pensarmos em nossas crianças como futuros cidadãos, legitimados a conduzir os rumos de desenvolvimento deste imenso país. Para tanto, deve-se estimular o sonho dos pequenos, dando-lhes o direito de viver em alegria e equilíbrio na família, de crescerem e se desenvolverem no seio de uma sociedade justa que lhes proporcione, no mínimo, educação, saúde e lazer.

No ano em que o Estatuto irá completar 15 anos é nosso dever conhecê-lo, sobretudo para obtermos a partir desse conhecimento uma visão crítica sobre as nossas possibilidades de atuação, pois considero que a luta deve ser diária e comum a todos os setores da sociedade, para diminuirmos a distância entre os ditames da lei e a nossa realidade social.