Título: AS DÉCADAS PERDIDAS
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Fonte: O Globo, 09/02/2005, Economia, p. 15

Ao avaliar a economia da América Latina ao longo dos últimos 15 anos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) concluiu que foram quase duas décadas praticamente perdidas. A inflação foi domada, os investimentos estrangeiros surgiram, mas o crescimento econômico ficou abaixo do potencial "e atrasou o progresso na melhoria do padrão de vida dos pobres". Em termos absolutos, o número de pobres aumentou nos últimos dez anos, quando 14 milhões se tornaram miseráveis, elevando o total para 214 milhões de pessoas - 44% da população da América Latina, sendo que 20% vivem em pobreza extrema.

No Brasil, embora o índice de pobres tenha caído de 48% para 38%, entre 1990 e 2001 (dados mais recentes) a desigualdade de renda não melhorou: "Os 10% mais ricos têm 44% da riqueza do país, enquanto os 10% mais pobres têm apenas 1%", segundo dados colhidos no próprio Ministério da Fazenda.

Os índices reunidos pelo Fundo e a interpretação feita por seus economistas estão no informe "Estabilização e reforma na América Latina: uma perspectiva macroeconômica sobre a experiência desde o início dos anos 90", divulgado ontem pelo diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental, Anoop Singh:

- Fiquei impressionado quando, ao assumir esse posto em 2002, vi que a inflação tinha baixado e sido contida, apesar das crises, e que os governos vinham implementando reformas, mas ainda assim o crescimento esperado não aparecia.

Recuperação nos últimos dois anos

A análise mostrou que, embora tenham sido feito reformas importantes, o efeito foi pequeno. No prefácio do estudo, a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, escreveu que na prática a redução da pobreza na região nos últimos 20 anos foi elusiva, fugaz. Segundo ela, se os anos 80 foram considerados uma década perdida, os 90 viraram "a década da decepção".

- O crescimento da América Latina ao longo dos últimos dez ou 12 anos ficou abaixo dos 3%, provavelmente 2,5%. A Ásia cresceu três vezes mais todos os anos - disse Singh.

Ele procurou atenuar os resultados com um dado mais recente: a recuperação aparentemente sustentável da região nos últimos dois anos.

- A boa notícia é que o índice de crescimento da América Latina agora é o dobro. Ele deve se manter em 4% em 2005. Creio que a intenção dos países é manter um ritmo de 4% a 5% anuais. Se isso de fato for feito nos próximos dois anos, será um tremendo avanço em termos per capita. Temos que manter esse nível. Ele é alcançável - exclamou.

Os resultados do comércio também foram abaixo do esperado. As exportações subiram de 15% do PIB da região nos anos 90 para 21% uma década depois. O FMI sugeriu que o Mercosul funcionou pela metade: "Embora tenha incentivado o comércio regional, não promoveu vigorosamente o crescimento das exportações para fora da América Latina".

Ao mencionar as mazelas latino-americanas - dívida pública muito alta, corrupção, sofrível distribuição de renda, frágil e obsoleta legislação trabalhista, baixo investimento em infra-estrutura e abertura comercial restrita - o FMI preferiu não considerar seu próprio envolvimento nos programas econômicos, deixando de lado o peso que suas receitas, seguidas pelos governos da região, tiveram.

"Houve um substancial e prolongado envolvimento do FMI e outras instituições financeiras internacionais na região durante esse período. Esse relacionamento, contudo, não é o principal objetivo desse estudo", justificou o FMI. Singh disse que a apuração deverá ser feita mais tarde pelo Escritório de Avaliação Independente, do FMI.

Para Fundo, Brasil é exemplo para os latino-americanos

Elogiado por reduzir pobreza, país ainda está abaixo do Chile

WASHINGTON. O Brasil obteve destaque positivo na avaliação divulgada ontem pelo FMI, ficando abaixo, no entanto, do Chile - apontado como "um notável exemplo de país onde a força institucional promoveu sólidas políticas". O informe lembrou que o índice de pobreza caiu dez pontos percentuais no Brasil, nos anos 90, acrescentado que isso era resultado do aumento nos gastos sociais.

O Fundo sugeriu que "a experiência do Brasil é um bom exemplo de resposta de um país latino-americano às lições fiscais de 1990":

- Um dos principais pontos levantados por essa análise é que as crises não podem ser prevenidas por medidas de última hora. A mensagem é a de não se dedicar a políticas de curto prazo, mas sim em sua sustentação a longo prazo - disse Anoop Singh, o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI.

Levando em conta as medidas tomadas pelo governo, nos últimos dois anos, ele insinuou que a perspectiva é positiva para o Brasil devido ao fato de a política econômica do governo Lula ter um claro objetivo social:

- Quando fui conversar pela primeira vez com o presidente Lula, ele me disse: "Você não precisa me falar sobre pobreza. Eu conheço isso" - disse Singh, insinuando que essa atitude revelava a disposição do governo em recuperar o caminho perdido nas últimas duas décadas.

O informe elogiou as reformas realizadas no Brasil nos anos mais recentes, destacando a lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, e afirmando que essas medidas melhoraram a transparência fiscal e, ao mesmo tempo, incentivaram a consolidação fiscal.

Corte de subsídios de países ricos poderia elevar exportações em 20%

O FMI sugeriu que o país invista mais em infra-estrutura, lembrando que o Brasil foi prejudicado pelo fato de ter aplicado pouco nessa área. Isso emperrou o crescimento econômico, desestimulando - ou no mínimo atrasando Ö- as exportações. Por esse motivo, o país teve uma perda equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano.

As barreiras comerciais impostas pelos países ricos também causaram uma perda considerável, segundo o estudo. Pelos cálculos do FMI, se os subsídios e tarifas agrícolas dos EUA fossem reduzidas em 50%, as exportações brasileiras teriam um aumento de 9% anuais. Se Canadá, União Européia e Japão também cortassem seus subsídios e tarifas em 50%, a alta seria de cerca de 20%.