Título: CORÉIA DO NORTE AFIRMA TER ARSENAL NUCLEAR
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Fonte: O Globo, 11/02/2005, O Mundo, p. 27

Em desafio à comunidade internacional, a Coréia do Norte anunciou ontem que vai reforçar seu arsenal de armas nucleares e que está se retirando por tempo indeterminado das negociações multilaterais de desarmamento atômico na Península Coreana. O anúncio foi a primeira admissão pública de Pyongyang de que possui um arsenal nuclear. O governo norte-coreano justificou sua decisão alegando necessidade de defender-se de intenções hostis dos Estados Unidos.

Washington e seus aliados reagiram com cautela à notícia e a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, advertiu a Coréia do Norte de que será melhor para o país retornar à mesa de negociações com EUA, Japão, Coréia do Sul, China e Rússia.

Condoleezza disse que a admissão da existência de um arsenal nuclear norte-coreano não foi surpresa para o governo americano e avisou Pyongyang de que a decisão apenas aumentará seu isolamento internacional. Ela, no entanto, descartou qualquer intenção do governo Bush de agir militarmente.

Condoleezza pede que decisão seja revista

Condoleezza exortou o regime de Kim Jong-il a retomar as negociações e aceitar as garantias multilaterais de segurança.

- É bastante claro para os norte-coreanos que tais garantias não se materializarão se eles não estiverem preparados para tomar a decisão de desmantelar suas armas nucleares e seus programas de uma maneira verificável e irreversível - advertiu a secretária, acrescentando que os EUA e a Coréia do Sul têm meios para lidar com qualquer ameaça norte-coreana.

Pyongyang citou recentes declarações de Condoleezza, que chamou a Coréia do Norte de "posto avançado da tirania", como justificativa de sua decisão, alegando que Washington deseja na realidade uma mudança de regime no país.

A Rússia e a União Européia condenaram a decisão de Pyongyang. O Japão e a Coréia do Sul - dois alvos potenciais dos mísseis nucleares de Pyongyang - evitaram um tom agressivo em suas reações.

- Embora a Coréia do Norte diga que não existe ambiente para realizar negociações multipartidárias, é agora que deveria participar sem condições - disse o porta-voz da Chancelaria sul-coreana, Lee Kyu Hyong.

O Japão, por sua vez, disse que a retirada de Pyongyang das negociações é um "problema grave", mas é preciso esperar para ver quais são as reais intenções da Coréia do Norte. Tanto o governo dos EUA como os do Japão e da Coréia do Sul deram a entender que consideram o anúncio feito pelo regime de Kim Jong-il uma manobra para aumentar seu poder de barganha quando retomar o diálogo.

- Vamos ver o que os norte-coreanos decidirão fazer mais adiante - disse a secretária de Estado Condoleezza Rice.

Dúvidas sobre capacidade nuclear norte-coreana

O secretário de Defesa americano, Donald Rumsfeld, procurou amenizar o alcance do anúncio da Coréia do Norte sobre seu arsenal nuclear. Segundo ele, o tema é preocupante, mas os EUA não estão certos de que Pyongyang realmente disponha de armas atômicas. Especialistas também mostraram descrença.

- É questionável se a Coréia do Norte tem a capacidade de montar uma ogiva nuclear confiável - disse Baek Seung-joo, do Instituto de Análises de Defesa da Coréia do Sul.

ENTENDA O CONFLITO

O que é a crise?

As relações entre a Coréia do Norte e os EUA começaram a deteriorar-se em 2002, quando o presidente George W. Bush incluiu o regime norte-coreano no chamado eixo do mal. Em outubro daquele ano, Washington acusou Pyongyang de desenvolver secretamente um arsenal nuclear. Desde então, a Coréia do Norte expulsou os inspetores internacionais e retirou-se do Tratado de Não-Proliferação nuclear. Em setembro de 2004, suspendeu negociações.

O que se sabe sobre o programa nuclear norte-coreano?

Com os inspetores internacionais fora do país desde 2002, é difícil estimar o progresso feito por Pyongyang na construção de seu arsenal. Se o reator de Yongbyon estiver totalmente operacional, analistas dizem que pode fabricar plutônio suficiente para uma bomba por ano. A Agência Central de Inteligência dos EUA estima que um outro reator pode estar fabricando duas ou mais bombas por ano até meados da década. Os EUA crêem que os norte-coreanos já tenham uma ou duas bombas.

A Coréia do Norte já fez chantagem nuclear antes?

Já, em 1993, quando o regime de Kim Jong-il foi persuadido a suspender seu programa nuclear. Pelos acordos de 1994, Pyongyang conseguiu fornecimento de petróleo e dois reatores de menor potência.