Título: Punhos de renda
Autor:
Fonte: O Globo, 12/02/2005, Panorama Político, p. 2

Sofrem os ministros do presidente Lula de uma renitente alergia à atuação político-parlamentar, como se se tratasse de tarefa menor que não lhes diz respeito. Miram-se talvez no exemplo do próprio presidente, que também resiste a se envolver diretamente nas articulações, embora goste tanto de fazer política nos palanques e diplomacia presidencial mundo afora.

É o que está se vendo agora, diante do desespero dos líderes com a hipótese de Luiz Eduardo Greenhalgh não se eleger presidente da Câmara no primeiro turno de segunda-feira, levando a disputa para a incerteza. Nem por isso o presidente deixou de viajar ontem para Pernambuco ou deixará de embarcar para o exterior amanhã, só voltando na quinta-feira. Já os ministros chamados ontem a entrar no mutirão pela vitória não pareceram comovidos com a situação.

Posto que o governo acha fundamental a eleição de Greenhalgh, o presidente tem apenas o dia de hoje para participar do esforço - ele que tem mais força que todos para garantir alguns votos. E para dizer a seus ministros que, num governo, fazer política é tarefa de todos, o que não significa usar a máquina ou atropelar a ética. Não seria desdouro citar o governo passado como exemplo. Os ministros de Fernando Henrique não brincavam em serviço quando a cobrava fumava pelos lados do Congresso. Um deles, Francisco Dornelles, não hesitou em pedir exoneração duas vezes para reassumir o mandato de deputado e votar com o governo.

Os de Lula, com as exceções conhecidas - Aldo e Dirceu, obviamente, Mares Guia, Roberto Rodrigues, Eunício Oliveira e uns poucos mais - costumam agir com um misto de inapetência política e superioridade. Tudo bem que o sistema seja presidencialista. São indicados pelo presidente. Mas diante de um eventual colapso da maioria, não haverá quem os segure. No final da reunião de ontem na casa do presidente da Câmara, João Paulo, dos 11 ministros presentes, dez faziam cara de paisagem. Só Aldo Rebelo, da Coordenação Política, falou, pedindo a ajuda de todos. João Paulo chegou a advertir que era "dever partidário" de todos arranjar votos para Greenhalgh.

A verdade é que o candidato oficial do PT não tem ainda os 257 votos para ganhar no primeiro turno. E o pedido de socorro ao Executivo, além de tardio, pode ser inútil. Os ministros têm instrumentos que os líderes não têm. Podem liberar emendas ou atender a pleitos legítimos dos deputados, que no nosso sistema eleitoral e diante das urgências locais, são obrigados mesmo a agir como despachantes municipais.

Certo é que tanto o presidente, que prefere os palanques aos convescotes, como seus ministros altaneiros, terão que fazer mais política daqui para a frente. A perda de controle sobre a sucessão na Câmara revela não apenas má condução. O presidente foi ambíguo em relação à reeleição e depois deixou o PT solto na escolha do candidato. O que salta aos olhos é a falta de coesão entre os aliados, e ela pode se traduzir em altos índices de traição na segunda-feira.