Título: Racionalidade
Autor:
Fonte: O Globo, 12/02/2005, Opinião, p. 6
A simples menção à idéia de se formalizar a autonomia operacional do Banco Central atrai críticas apaixonadas dentro e fora do PT. Por isso é importante debater o tema de forma racional.
Até porque o assunto consta da agenda de trabalho para este ano do Ministério da Fazenda e, se depender do ministro Antonio Palocci, um projeto de lei com esse objetivo será enviado ao Congresso.
Pode-se argumentar que se o BC já tem virtual autonomia para executar a política monetária (definição dos juros básicos) - a partir de uma meta de inflação determinada pelo governo via Conselho Monetário Nacional - não vale a pena gastar tempo e capital político na tentativa de aprovar no Congresso uma lei polêmica sobre algo que já existe.
Pois é a necessidade de se afastar qualquer dúvida e incerteza em torno da atuação técnica do BC que torna de grande importância essa lei.
Não se trata, como imaginam alguns, de converter o Banco Central em organismo independente do governo e do Estado. O CMN continuará a estabelecer os limites da inflação e deverão ser definidas punições - como a perda de mandato da diretoria do banco - para o caso de as metas não serem atingidas.
Não é por coincidência que os países mais desenvolvidos adotam essa fórmula. Mesmo o México e o Peru têm bancos centrais autônomos.
É inegável que ao se afastar por lei qualquer influência política na condução do BC, reduzem-se os prêmios de risco cobrados pelos mercados. Assim, os juros nesses países tendem a ser mais baixos. É tudo o que o Brasil necessita.
OUTRA OPINIÃO
Terceirização
A discussão sobre a autonomia do Banco Central esconde pontos conflitantes que valem ser colocados em pauta. O BC autônomo seria, na verdade, uma agência reguladora monetária, e o governo passaria a ser um cliente "sem fundos".
Em que pese o controle da política monetária livre de interferências políticas ser o principal argumento dos defensores da autonomia do BC, a preponderância de diretores oriundos de instituições financeiras faz com que haja forte conflito de interesses. É claro que os credores preferem mais juros. Assim, se esses credores tiverem interesse em aumentar a taxa, facilmente irão fazê-lo. No âmbito da política monetária também encontramos problemas. Uma pesquisa do economista João Sicsu revelou que a política monetária é eficaz quando utilizada com o propósito único de combater a inflação.
Um argumento utilizado por Cadim de Carvalho é a desculpa do fato de a autoridade independente "reportar" sua atuação aos poderes interessados. Ele rebate com a afirmação de que "reportar resultados é totalmente diferente de decidir caminhos". Recentemente, por exemplo, o governo impôs censura aos dados do IBGE, que em tese é independente.
A noção de que os bancos centrais nasceram para estabilizar o poder de compra da moeda não tem qualquer fundamento. Dentre as atribuições do BC estabelecidas pela lei 4.595/64 não há nenhuma alusão à defesa do poder de compra da moeda. A independência total do BC é a sua liberdade para definição tanto da meta de inflação quanto da forma de perseguir esta meta, incluindo as características administrativas que esta independência pressupõe. A autonomia, por sua vez, é caracterizada pelo poder discricionário do BC de perseguir a meta de inflação estabelecida pelo governo.
A condução da política monetária num país que apresenta uma dívida pública astronômica como a nossa traz sérios problemas. O superávit primário é totalmente desfeito com um aumento nas taxas de juros. Como a dívida interna é de mais de R$800 bilhões, um aumento de 1% faz a dívida crescer R$8 bilhões em um ano. A comunidade financeira é tão competente que terceirizou o governo. A indicação do deputado federal eleito a alto custo, que renuncia e assume a direção do BC, é prova de que os interesses financeiros se sobrepõem ao político. Por isso, a MP 207, que concedeu status de ministério ao BC para garantir foro privilegiado às diretorias do banco, é, na verdade, um mistério.