Título: 'A MP 232 CORRIGE UMA DISTORÇÃO TRIBUTÁRIA'
Autor:
Fonte: O Globo, 12/02/2005, Economia, p. 21

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, começam articulações políticas para ouvir as queixas dos empresários e ver se é possível atender a algumas de suas demandas para reduzir impostos, a área técnica da equipe econômica promete resistir. O ponto central das discussões é a controversa medida provisória (MP) 232. Defendida pela Fazenda como uma forma de fazer justiça tributária com a correção da tabela do IR, a MP também trouxe, de forma bem menos alardeada, um aumento de carga para setores como o de prestação de serviços. Em entrevista ao GLOBO, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse não ter se sensibilizado nem mesmo com as reclamações dos amigos que trabalham como prestadores. Segundo ele, o governo está corrigindo uma distorção: "A gente não está aqui para defender nenhuma corporação, estamos aqui para fazer o que tem de ser feito".

Os dados do Tesouro Nacional mostram que a carga tributária federal cresceu em 2004 apesar de o compromisso do governo ter sido o de mantê-la estável. Como explicar isso?

BERNARD APPY: Houve algum aumento da carga de 2003 para 2004 por dois motivos. O principal foi a propulsão do crescimento econômico. Já o segundo motivo foram as mudanças tributárias, principalmente a da Cofins (que teve aumento de alíquota e passou a ser cobrada dos importados). Mas o governo também adotou uma série de medidas de desoneração. Algumas tiveram impacto em 2004, mas a maioria tem impacto em 2005.

O que se pode esperar para este ano em termos de carga tributária?

APPY: A carga de 2004 deve ficar perto da registrada em 2002 (16,34% do Produto Interno Bruto, PIB, para o governo federal). Já em 2005, tudo indica que o valor vai ficar abaixo do obtido em 2004 em função das várias medidas de desoneração que adotamos.

Mesmo com a edição da MP 232, que aumentou o peso dos impostos para os prestadores de serviço que declaram pelo lucro presumido?

APPY: A MP 232 é basicamente a correção de uma distorção tributária que privilegia uma categoria limitada. Há empresas com funcionários que abrem uma prestadora de serviço apenas para pagar menos imposto. Não faz sentido que um operário de uma indústria que ganha R$3.500 pague mais imposto por ser pessoa física que um advogado que trabalha num escritório de advocacia e ganha a mesma coisa. Acho a medida correta.

Mesmo diante de protestos de empresários, tributaristas e partidos políticos, que já recorreram ao Judiciário contra a MP?

APPY: Eu acho que essa reação em torno da MP 232 tem dois motivos. Um deles é o fato de que a medida atingiu uma parcela expressiva de formadores de opinião, que eram beneficiados por uma distorção na estrutura tributária. O segundo ponto é o fato de que a carga tributária é muito alta no Brasil. O espaço para aumentar essa carga hoje praticamente não existe porque a reação da sociedade tende a ser muito grande. Mas isso não significa que você não possa corrigir distorções. Nós também fizemos uma desoneração que, no conjunto, leva a uma queda da carga tributária.

Mas essa não é a primeira vez que o governo Lula aumenta a carga tributária para os prestadores de serviço. A base de cálculo da CSLL subiu de 12% para 32% em 2003.

APPY: Mesmo com padrões internacionais, o segmento de prestação de serviços ainda é pouco tributado no Brasil. Eu tenho um monte de amigos prestadores de serviço que estão brabos. Todos reclamam comigo, mas a medida está correta. A gente não está aqui para defender nenhuma corporação, estamos aqui para fazer o que tem de ser feito.

Isso significa que o governo não vai rever a medida?

APPY: Na minha opinião, é preciso explicar para a sociedade que o que está sendo feito é para corrigir uma distorção. Ao mesmo tempo, nós entendemos o recado de que o espaço para ampliar a carga tributária não existe mais. Esse recado foi muito bem recebido. Mas isso não justifica que a gente vá rever uma coisa que está correta.

Diante dos protestos de empresários e integrantes do próprio governo contra os sucessivos aumentos da Taxa Selic, o senhor não acha que o Banco Central está exagerando na dose?

APPY: A política monetária é gerida tendo em vista o controle da inflação, e nós estamos num período em que o Banco Central interpreta que a inflação justifica um aperto conjuntural da política monetária. Isso tem algum custo de curto prazo, mas o benefício de longo prazo, de estabilidade dos preços, é tão grande que ele certamente justifica a atuação de curto prazo do Banco Central.

Esse não é um preço muito alto, em termos de popularidade, para a equipe econômica?

APPY: Ainda estamos pagando o preço de estar consolidando a estabilidade no Brasil. A taxa de juros no país é alta, mas temos que procurar reduzi-la de forma consistente com a consolidação da estabilidade econômica.

Mesmo considerando que os juros altos também prejudicam a trajetória da dívida pública?

APPY: Certamente, juros mais altos têm um custo sobre a dívida pública e sobre a atividade econômica. Mas a política econômica, incluindo a política monetária, cria condições para que, a longo prazo, você tenha crescimento sustentado com muito menos volatilidade, o que cria condições para uma redução consistente da dívida pública a longo prazo. É preciso separar um pouco as preocupações conjunturais e olhar para o conjunto da política econômica, olhar para o longo prazo.