Título: TFP E MST INVESTEM NA FORMAÇÃO DE JOVENS
Autor:
Fonte: O Globo, 13/02/2005, O País, p. 14
Opostos nos ideais políticos, ideológicos e religiosos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de esquerda, e os Arautos do Evangelho, uma dissidência da Tradição, Família e Propriedade (TFP), ultraconservadores, têm soluções parecidas para problemas comuns. Insatisfeitas com o sistema educacional brasileiro, público e privado, as instituições decidiram investir em escolas próprias para formar os jovens.
Inauguradas no início deste ano em São Paulo, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do MST, e o Colégio Arautos do Evangelho Internacional pretendem preencher as lacunas deixadas pelo sistema convencional de educação, que segundo eles, não atende adequadamente aos anseios de suas respectivas comunidades.
¿ A educação é um direito básico numa sociedade democrática mas esse direito sempre foi negado ao trabalhador do campo ¿ diz Maria Gorete Sousa, coordenadora pedagógica da ENFF, em Guararema, pequena cidade ao sul da capital paulista. ¿ A idéia é que a escola ajude a pensar o campo e melhorar a vida de quem mora nele. Queremos formar gente que possa ajudar a construir um país mais igualitário e menos injusto ¿ diz Gorete, no MST há 18 anos.
Os Arautos querem resgatar a fé cristã e os valores da família. Segundo o professor de matemática Marcos Cascino, diretor do colégio que ocupa um terreno de cerca de 200 mil metros quadrados em Cotia (Grande São Paulo), a filosofia (ou carisma, como preferem) da instituição tem ¿seu alicerce no belo, na disciplina e na fé¿.
¿ O jovem está perdido e a família, desagregada. Precisamos resgatar valores. Não abrimos mão da disciplina, da postura, do respeito. Não queremos apenas que nossos alunos passem no vestibular, o que logicamente vai acontecer pela qualidade do ensino ¿ diz Cascino.
Escolas foram construídas com verbas de ONGs
A crítica ao sistema educacional não é o único ponto de convergência. As duas escolas foram erguidas com dinheiro doado por entidades não-governamentais, simpatizantes e algum recurso próprio. Até o valor dos empreendimentos é bem parecido ¿ R$4 milhões. O total das vagas também é idêntico: 200.
Mas as semelhanças param por aí. No colégio dos Arautos do Evangelho, os alunos usam uniforme impecável, têm que levantar quando algum professor, religioso ou visitante entra na sala, não podem fumar (professores e funcionários também não) e, além da grade do ensino básico (da 1ª à 8ª série), têm aulas extracurriculares de filosofia, religião e artes.
Na escola do MST não há cursos formais, só palestras e aulas com professores voluntários de universidades da capital (como a USP) e da região, quase sempre sobre a questão agrária. Os jovens vestem-se despojadamente, podem fumar e discutem com os professores. Um dos cursos mais procurados é o que prepara 18 jovens para ingressar na Escola Latino-Americana de Medicina de Cuba. A ENFF terá financiamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Na escola há uma biblioteca com capacidade para 40 mil livros, muitos doados por simpatizantes, como os escritores Frei Betto e Fernando Morais. Nas estantes estão, entre enciclopédias, dicionários, clássicos e biografias, uma coletânea sobre assentamentos, organizada por João Pedro Stédile, um dos líderes do MST, e o livro ¿Dependência e Desenvolvimento na América Latina¿, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na escola do MST não há custo com mensalidade
Outra diferença é o preço. A mensalidade no colégio dos Arautos é de cerca de R$500, fora o material. Qualquer um pode pleitear vaga. Na escola do MST, não há mensalidade, mas os alunos fazem trabalhos voluntários, como cuidar da horta e limpar banheiros. Só são aceitos alunos indicados pelos assentamentos do MST.