Título: POBREZA EM ENDEREÇO NOBRE NA ZONA SUL
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Fonte: O Globo, 13/02/2005, Rio, p. 17
São pelo menos três endereços oficiais: Avenida Borges de Medeiros 699, Rua Humberto de Campos 95 e Rua Padre Bruno Trombetta 99. O local conhecido também por ¿aquela rua¿, a ¿rua da igreja¿ ou apenas ¿ali¿ é onde foi implantado o maior e mais polêmico projeto social no coração do Leblon. Oficialmente nascida em 29 outubro de 1955, a Cruzada São Sebastião está completando 50 anos. O conjunto habitacional nasceu de um convênio firmado entre o então presidente da República, Café Filho, e Dom Hélder Câmara, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Criado para ser o plano piloto da meta de Dom Hélder de acabar em dez anos com as 150 favelas existentes na cidade naquela época, dando a seus moradores vida digna, esse conjunto habitacional enfrentou grandes interesses imobiliários, pois está situado numa das áreas mais valorizadas do Rio.
Com 910 famílias e cerca de quatro mil moradores distribuídos em dez prédios, com apartamentos conjugados, de um ou dois quartos, o conjunto conta com escola, creche e cursos. Tem hoje pelo menos 300 moradores de nível superior, entre médicos, advogados, professores e psicólogos. Mas nada disso parece mudar o estigma que transformou a comunidade em enclave social num dos bairros mais ricos da cidade.
¿ O estigma de favela continua, mas hoje muito menor. O que existe de preconceito é de fora para dentro. Antigamente, eram os moradores que se sentiam como favelados. Mas a Cruzada não é favela. Temos todos os serviços públicos de infra-estrutura, escola, creche. Vários serviços sociais e um vestibular próprio. Trata-se de um conjunto de baixa renda ¿ diz o padre Marcos Belizário Ferreira, há 14 anos na Igreja Santos Anjos, construída como parte do projeto de Dom Hélder.
Segundo ele, toda vez que acontece um crime no bairro a polícia e a imprensa voltam logo suas atenções para a Cruzada.
¿ No outro dia disseram que o assaltante responsável pela morte de uma ciclista era da Cruzada. Fui verificar na delegacia e não era. É claro que enfrentamos os mesmos problemas de outros locais, como desemprego e drogas ¿ conta o padre.
Delegacia tem fotos de moradores com ficha policial
Primeira suspeita da polícia em todos os crimes que ocorrem no bairro, a Cruzada responde por 20% dos casos, segundo levantamento do comissário Orlando Arruda, da 14ª DP (Leblon). A delegacia tem um álbum de fotografias intitulado ¿Cruzada¿, com 91 imagens de moradores com ficha policial no bairro, alguns deles condenados e presos. Na maior parte dos casos, são ladrões de bicicleta, assaltantes de transeuntes e residências. Mas também há traficantes:
¿ O tráfico aqui é uma extensão do que existe no Morro da Mangueira e em outros da mesma facção criminosa. Não é o maior problema, até porque não há tiroteios, eles não matam moradores ou rivais na comunidade. Aqui o maior problema são os assaltos a transeuntes no Jardim de Alah ¿ diz o comissário.