Título: `ATÉ A COR DOS PRÉDIOS MUDOU¿
Autor:
Fonte: O Globo, 13/02/2005, Rio, p. 18

A Cruzada que conheci e freqüentei há quase 30 anos, durante boa parte da minha adolescência, não tem nada a ver com a de hoje. Até a cor dos prédios mudou. O branco acinzentado deu lugar a uma cor alaranjada. Mas quem dera que a única mudança tivesse sido essa. Aos 11 anos conheci meu grande amigo Olavo no time de futebol de salão da AABB. Viramos parceiros inseparáveis e passamos a freqüentar a casa um do outro. Almocei várias vezes a deliciosa comida da Dona Palmira, no bloco quatro. Ia à praia em frente à Paul Redfern, em Ipanema.

Sentia-me completamente integrado à vida daquelas pessoas. Entrava na Cruzada e saía de lá sozinho, sem o menor problema, a qualquer hora. Acompanhava os ensaios do Baba do Quiabo, que para mim era uma escola de samba, mas na verdade não passava de um bloco. Casos de violência eram esporádicos. Lembro que havia um bandido conhecido como Cidinho, que era temido. Mas nada que se compare ao que se vê hoje. Tráfico não havia, nem de influência. Lembro que a coisa começou a mudar no início da década de 80. Um dia, quando entrei no bloco quatro, um grupo perguntou o que eu ia querer: branco ou preto. Estranhei a abordagem e disse que ia visitar um amigo no sétimo andar. Eles me reconheceram e pediram desculpa. O Olavo virou jogador de futebol profissional, foi embora do Rio e nunca mais voltei à Cruzada. Mas isso foi há muito tempo, quando até mesmo os assaltos no Jardim de Alah eram raros.