Título: Artilharia antiaumento
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Fonte: O Globo, 13/02/2005, Economia, p. 29

Preocupado com a alta de preços dos produtos no mercado brasileiro e com a possibilidade de um reflexo nas taxas de juros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu atacar em duas frentes junto aos empresários. A idéia mais forte no Planalto é negociar com os grandes setores da economia brasileira um freio nos repasses dos preços, em troca de financiamento do BNDES a novos investimentos, numa proposta que resgata a idéia de acordos setoriais. Nos casos em que haja uma resistência maior, Lula não descarta a possibilidade de incentivar a importação de produtos que concorram com os itens produzidos por esses empresários.

Segundo um ministro da área econômica, a forte subida dos preços internacionais de 21 das 26 commodities (produtos primários) mais importantes para o mercado brasileiro está fazendo com que o presidente mobilize a equipe econômica numa força-tarefa para conter os empresários. Na lista dos preços que mais aumentaram no ano passado, e que chegou às mãos do presidente, estão, por exemplo, reajustes de 106,2% nas placas de aço, de 72,2% no estanho, de 120% no carvão e de 90% em minério de ferro.

O temor no Planalto é que ¿ como têm alertado os empresários de setores como máquinas, eletrodomésticos, eletrônicos, automóveis, motocicletas e celulares ¿ toda a pressão que vem de fora seja repassada aos fabricantes de bens de consumo, que, por sua vez, tenderiam a repassar as altas aos consumidores finais. Na semana passada, mais de dez associações importantes da indústria enviaram carta ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reclamando dos preços do aço e cobrando solução, sob ameaça de que custos maiores não serão absorvidos.

Objetivo é evitar efeito sobre a taxa de juros

O governo quer evitar que esse movimento acabe alimentando a inflação, limitando uma eventual queda da taxa básica de juros (Selic), que sobe há cinco meses, está em 18,25% ao ano e pode sofrer novo reajuste esta semana, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Na avaliação de integrantes da equipe econômica, apesar do reajuste internacional das commodities, os empresários brasileiros poderiam ter amenizado os repasses aos preços no Brasil. Isso porque as cotações dessas mercadorias no mercado internacional são em dólar, que está cada vez mais barato no Brasil. Em 2004, o dólar caiu 8,55% em relação ao real.

¿ O problema é que em muitos setores da economia os empresários não querem diminuir suas margens de lucro. Como o dólar teve grande perda, o aumento de alguns produtos poderia ter sido bem menor ¿ observa um ministro da área econômica.

Desde que tomou conhecimento do forte reajuste de preços, o Planalto está articulando conversas com os empresários que produzem ou compram essas matérias-primas. O primeiro passo foi dado em janeiro, num encontro com o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE). A reunião no Palácio do Planalto teve a presença de Palocci e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Lula também já recebeu em audiência o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Tanto Monteiro quanto Skaf ouviram que não adianta bater apenas na taxa Selic a cada novo ajuste: os empresários precisam fazer sua parte.

Nas duas conversas, Lula deixou clara sua intenção de negociar com os empresários. Segundo assessores que trabalham no Planalto, foi bem recebida pelos dois representantes do setor industrial a proposta de negociar financiamentos do BNDES condicionados ao compromisso de se evitar ao máximo o repasse de preços internacionais. Esses financiamentos ¿ que são os mais baratos e vantajosos do mercado nacional ¿ seriam dados a novos investimentos. Com a economia conseguida na hora do empréstimo, as indústrias teriam margem para absorver o impacto da alta das commodities.

No Congresso, aliados do governo defendem a negociação.

¿ Até o momento, toda a pressão inflacionária tem sido administrada pelos juros, o instrumento clássico da política monetária. Mas o governo pode usar alguns instrumentos alternativos, como acordos setoriais com os empresários ¿ diz o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).

Aço é um dos setores que mais preocupam

O presidente da Comissão de Orçamento do Congresso, deputado Paulo Bernardo (PT-PR), também defende um acordo com empresários:

¿ Temos que criar condições para baixar os juros e evitar esse ciclo negativo. O Banco Central aumenta os juros para combater a inflação. Mas se não há remarcação de preços, não há motivo para o aumento da Selic.

Em conversas recentes com ministros da área econômica, o presidente Lula demonstrou irritação com a alta dos preços. Chegou a citar o aumento do aço no mercado brasileiro. Na sua avaliação, o impacto no Brasil acabou sendo bem maior porque o reajuste foi repassado integralmente, sem levar em conta a queda da cotação da moeda americana no país.