Título: VERGONHA!
Autor:
Fonte: O Globo, 14/02/2005, Panorama Político, p. 2

A imagem do Brasil saiu mais uma vez arranhada com o assassinato da religiosa Dorothy Stang. O governo Lula reagiu imediatamente: acionou a Polícia Federal e enviou ministros ao Sudoeste do Pará. O episódio joga luzes na questão da segurança pública, que afeta toda a sociedade, mas que ainda não foi enfrentada de maneira devida pelos governos estaduais e federal.

O governo do estado do Pará, a quem compete constitucionalmente o comando da polícia, têm sido historicamente negligente. Dorothy é a mais nova vítima do descaso que levou o próprio aparato estadual de segurança, em abril de 1996, a assassinar 19 trabalhadores sem-terra durante uma manifestação. É longa a lista de crimes cometidos no Pará: o padre Ezechiele Ramiro e o presidente do Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, João Canuto, em 1985; o padre Josimo, em 1986; o deputado estadual Paulo Fonteles, em 1987; o deputado estadual João Carlos Batista, em 1988; os sindicalistas Brás de Oliveira e Ronan Boaventura, em 1990; Paulo e José Canuto, filhos de João Canuto, em 1990; e, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, Expedito de Souza, em 1991.

Muitos destes crimes estão impunes e há casos de condenações depois de terem se passado 15 anos do delito. A falta de compromisso com patamares mínimos de civilização não se deve apenas a falta de energia das autoridades, mas também a inércia da Justiça local e a cumplicidade da maioria da sociedade paraense. Naquela região se trava há décadas uma luta violenta pela posse de terras federais, tendo de um lado posseiros e de outro grileiros. Mas se o governo estadual tem sua responsabilidade, o governo federal também tem pecado pela omissão, pois todo este desmando ocorre pela apropriação de terras que pertencem à União. No caso de irmã Dorothy, desde junho do ano passado, conforme documentação enviada pelo gabinete do deputado João Alfredo (PT-CE), o Ministério da Justiça tinha conhecimento de que ela e agricultores, assentados em Anapu, eram alvo de ameaças de morte. E tudo indica que as execuções vão continuar no Pará, a exemplo da insegurança no Rio de Janeiro, até que o governo federal e os governadores façam deste tema prioridade na agenda.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, diz que o problema existe e que a solução depende de um processo demorado:

¿ Na democracia não há espaço para soluções radicais. Mudar isso é um processo que requer muitas medidas. O governo federal pode induzir e estabelecer padrões, mas são os estados que têm o poder de polícia. Estamos avançando, mas reconheço que esses fatos contribuem para deixar a todos impacientes.