Título: Cautela necessária
Autor:
Fonte: O Globo, 14/02/2005, Opinião, p. 6

Embora esteja ainda no terreno das intenções, a política de redução de danos à saúde, que pretende tratar o dependente de drogas como vítima e não como criminoso, já tem motivado acirrada polêmica. Não é de admirar. Liberar o consumo de drogas, ainda que em condições especiais (sob acompanhamento e tratamento médico, em locais específicos), e distribuir seringas (para conter a disseminação da Aids) parecem compor um quadro de tolerância que incomoda a muitos.

Na realidade, não é sem razão que este tipo de política está se tornando comum na Europa, onde tem sido adotada, com variações, em países como Itália, Holanda, Espanha e Inglaterra. É o resultado principalmente da percepção de que jogar viciados na cadeia é uma medida contraproducente, que apenas tende a fazer deles, em definitivo, criminosos, sem contribuir para o combate ao narcotráfico. No Brasil, ademais, tratar dependentes como marginais torna-os vítimas fáceis de achaque por parte de maus policiais.

É certo que há sempre o risco de que, na louvável tentativa de curar os viciados, se acabe abrindo caminho para que traficantes se façam passar por vítimas, e usuários de fim de semana, que não são dependentes, tenham assegurada a impunidade. Por isso é essencial muita cautela, mesmo porque o tráfico de drogas é hoje a grande usina de criminalidade.

Mas aplicada com inteligência, sobretudo sem que implique abrandamento na repressão à atividade criminosa, a política de redução de danos pode produzir bons efeitos, ao estreitar o mercado que é financiador e razão de ser do narcotráfico.