Título: Folia da contravenção na mira
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Fonte: O Globo, 14/02/2005, Rio, p. 8

OMinistério Público estadual vai investigar o contrato entre a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) e a prefeitura do Rio. Com base na reportagem publicada ontem pelo GLOBO, o procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, envia hoje às promotorias de tutela coletiva um pedido para que seja instaurado um processo sobre o acordo. O faturamento da Liesa neste Carnaval, de acordo com a reportagem, foi de cerca de R$70 milhões. E o déficit da prefeitura, de R$10 milhões. O total de incentivos da prefeitura à Liesa foi de R$14,5 milhões. De acordo com Marfan, a notícia indica que o contrato foi lesivo.

¿ O faturamento aponta que a entidade (Liesa) é notoriamente rentável. A injeção de recursos públicos e a concessão de incentivos indicam que o contrato é lesivo. O problema que eu vejo é que a prefeitura dá incentivo financeiro à atividade rentável. É como se o governo bancasse o congresso da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). A Liesa soma lucro com incentivo. Como é receptora de dinheiro público, também é alcançada pela lei da improbidade administrativa ¿ disse Marfan Vieira, ressaltando que a prefeitura pode contratar empresas privadas, desde que os cofres públicos não sejam lesados.

Cesar Maia diz que parceria dá lucro

O prefeito Cesar Maia afirma que, depois das manipulações políticas, hoje o desfile é profissional, controlado pelas próprias escolas, que são autofinanciáveis. Segundo Cesar, a prefeitura gasta com o Carnaval 20% menos do que aplicava há quinze anos.

¿ É um sucesso. A investigação vai concluir com um prêmio de honra à prefeitura do Rio por essa fantástica mudança no desfile das escolas. Por isso em 2004, segundo os dados preliminares do Ministério do Turismo, o turismo carioca cresceu 20%. Se incluirmos os ganhos indiretos do carnaval e do réveillon (que também mudei de padrão a partir de 1994, assim como o desfile), via turismo é a aplicação mais rentável que temos ¿ afirmou o prefeito.

O deputado federal Antônio Carlos Biscaia (PT) criticou a prefeitura por firmar um contrato com a Liesa passando um bem público para a administração da entidade, com faturamento quase todo dado para ela. Para ele, os banqueiros de bicho estão se beneficiando de recursos públicos.

¿ Isso indica que os banqueiros, que estão envolvidos em todo o tipo de crime, estão também se beneficiando de recursos públicos. O que parece é que eles estão estendendo suas atividades para o setor público também ¿ disse Biscaia.

Biscaia foi o procurador-geral de Justiça responsável pelos processos que levaram bicheiros à condenação. No primeiro, em 1993, a juíza Denise Frossard condenou 14 bicheiros a seis anos de prisão por formação de quadrilha. A sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça que reduziu a pena para três anos. Três ex-presidentes da Liesa, Castor de Andrade, Aniz Abrão David, o Anísio, e Luiz Pacheco Drumond, o Luizinho, estavam entre os condenados, assim como o atual presidente, Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães.

Marfan Vieira despachou para o promotor Márcio José Nobre de Almeida, da 1ª Central de Inquérito da Promotoria de Investigação Penal a notícia-crime apresentada por Biscaia, que imputa à cúpula do bicho a prática de apologia ao crime, no Sambódromo, por causa do desfile do Salgueiro e da Mocidade. O Salgueiro exibiu um carro e alas com imagens dos bicheiros Waldemir Paes Garcia, o Miro, e Waldomiro Paes Garcia, o Maninho. Ambos morreram ano passado. O presidente da Mocidade, Paulo Vianna, agradeceu em seu discurso a Cesar Andrade, sobrinho de Castor, pela ajuda à escola. Segundo Vianna, Cesar deu R$700 mil. Condenado a nove anos de prisão por corrupção ativa, o sobrinho de Castor está foragido.

Para a presidente da Riotur, Ana Maria Maia, a prefeitura tem prejuízo contábil com o Carnaval. Mas acaba lucrando por outras fontes:

¿ A cidade ganha com o aumento da arrecadação e geração de um maior número de empregos quando recebemos mais turistas devido à qualidade dos desfiles.

A deputada federal Denise Frossard (PPS) concorda com Ana Maria. Mas levanta suspeitas sobre o contrato, que vem sendo assinado há quinze anos entre a Liesa e a prefeitura. Ela defende ainda que a prefeitura assuma sozinha o carnaval.

¿ É preciso acabar com a hipocrisia de aceitar a relação entre pessoas à margem da sociedade e o Estado. É preciso saber de que forma a prefeitura financia a Liesa. De cara é uma sociedade suspeita. A proximidade do poder organizado com o crime é que não é aceitável ¿ disse a deputada.

Guimarães compara bicheiros a políticos

O presidente da Liesa, Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, alega que o que parece muito dinheiro no início é pouco no final:

¿ Dez por cento do que arrecadamos são para o pagamento de direitos autorais. A cada ano, temos mais gastos com segurança e infra-estrutura da avenida ¿ disse Guimarães.

Quanto às declarações de que indiretamente estes recursos acabam por ser administrados pela cúpula do jogo do bicho, Guimarães responde:

¿ Num determinado período de suas vidas, algumas pessoas militaram no jogo. Faz parte do passado delas. Assim como faz parte do passado o fato de seqüestradores terem se tornado políticos importantes no país ¿ disse Guimarães.

O presidente da Mangueira, Álvaro Caetano, disse que a liga tem feito um grande trabalho e que fica com apenas 5% de tudo que é arrecadado:

--- Nós temos um conselho e não deixaríamos que a liga ficasse com um faturamento tão grande em relação ao que ganham as escolas.

O presidente da Acadêmicos da Rocinha, Maurício Mattos, defende a gestão de Guimarães:

--- Montar um espetáculo como este tem um custo muito grande. E a liga tem oferecido às escolas recursos excepcionais ¿ disse Maurício.