Título: PREFERÊNCIA INTERNACIONAL
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Fonte: O Globo, 14/02/2005, Economia, p. 15

Oamargo remédio do Banco Central (BC) para combater a inflação está levando algumas empresas brasileiras a buscarem financiamento no exterior. Os juros elevados ¿ o país tem a maior taxa real do planeta, de 11% ao ano ¿ têm estimulado as captações de recursos lá fora, no rastro da forte queda do dólar e do risco-Brasil, que baratearam as operações. Após cinco altas seguidas ¿ e com uma sexta a caminho, esperam os economistas para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana ¿ a taxa básica Selic, usada como parâmetro do custo da emissão no Brasil, está em 18,25% ao ano, o maior nível desde outubro de 2003. Na contramão, o risco cedeu mais de 30% e o dólar voltou aos patamares de junho de 2002.

A trajetória dos indicadores teve efeito direto na captação de recursos. De 2004 para cá, as emissões externas somaram US$9,42 bilhões, ante R$14,094 bilhões em debêntures, títulos corporativos emitidos no Brasil que representam o risco de crédito das empresas e têm a Selic como referência. Quanto maior os juros, maior a taxa paga pela debênture. Pelo câmbio da última sexta-feira (R$2,604), as emissões no mercado externo totalizam R$24,529 bilhões, 74% a mais que as feitas no Brasil.

¿ O juro alto é inibidor, e as empresas que não têm demanda emergencial por novos recursos adiam emissões à espera de um juro mais baixo ¿ diz Paulo Sampaio, superintendente-geral da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima).

`É um crédito fácil, farto e barato¿

Segundo Rafael Guedes, diretor-executivo da Fitch Ratings, a manutenção dos juros altos pelo governo ofusca a venda de alguns papéis corporativos no mercado interno, pois os títulos públicos têm uma elevada remuneração ¿ atrelada à Selic ¿ e competem com os privados, considerados de maior risco. Sampaio conta que, em agosto de 2004, era possível fazer uma emissão no mercado interno pagando aos investidores a variação da inflação (IGP-M) mais 8% de juros. Hoje, em média, é preciso pagar IGP-M mais 10%. Ainda assim, ele está otimista em relação a este ano: achaque será possível captar R$13 bilhões de janeiro a dezembro:

¿ O crescimento deste mercado está diretamente associado à queda dos juros. Para a maioria das empresas, captar recursos lá fora não é uma opção viável, então a solução é aguardar a queda das taxas.

O fato é que a ampla liquidez internacional ¿ reflexo da ainda baixa remuneração dos títulos do Tesouro dos EUA e da melhor avaliação da economia brasileira no exterior ¿ tem ajudado várias empresas a buscar financiamento externo. Entre elas, a Aracruz. Em meados de 2004, a companhia levantou US$175 milhões junto a investidores internacionais, a 6,36% ao ano.

¿ É um crédito fácil, farto e barato. E, com a queda do risco-Brasil, uma operação ainda mais atrativa. Há uma demanda constante dos investidores por papéis brasileiros. Hoje, pagaríamos 1,5% a menos do que na última emissão ¿ diz Isac Zagury, diretor financeiro da Aracruz.

É também o caso da Vale do Rio Doce. Segundo o diretor financeiro, Fábio Barbosa, o mesmo bônus de 30 anos lançado em janeiro de 2004 a uma taxa de 8,3% ao ano ¿ a mais longa captação já feita por uma empresa brasileira lá fora ¿ pagaria hoje 7,5% aos investidores, reflexo da queda do risco-Brasil. A empresa planeja captar US$1 bilhão este ano, ante US$1,1 bilhão de 2004, e já foi sondada por investidores internacionais para fazer uma emissão de bônus perpétuos. Esses são títulos raros no mercado, pois o emissor paga juros eternamente ao investidor.

Entretanto, o quadro atual pode mudar com um eventual afrouxamento da política monetária. Para Átila Noaldo, diretor do Banif Investment Banking, a queda do juro, esperada para o segundo semestre, abre espaço para novas emissões no país:

¿ O mercado local é natural para empresas médias, que conseguem boas condições de crédito no Brasil.

Já o crédito farto no mercado internacional depende não só do bom andamento da economia brasileira, que deve crescer cerca de 4% este ano. Para Luiz Fernando Resende, vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), os EUA serão o termômetro do fluxo para emergentes:

¿ Se lá as taxas subirem fortemente, os investidores devem migrar, pelo menos em parte, para os títulos do Tesouro dos EUA, que oferecem risco mais baixo a um custo atrativo. Por isso, a alta do juros americanos será um teste para o apetite dos investidores em relação ao Brasil.