Título: DOIS BAILES
Autor:
Fonte: O Globo, 15/02/2005, Panorama Político, p. 2

Quem deixava ontem o salão verde da Câmara e adentrava o ambiente azul do Senado podia quase tocar a diferença de ambiente político entre as duas Casas do Congresso no dia da eleição das novas Mesas. A poluição visual criada pelos candidatos, o burburinho e a agitação davam à Câmara um toque de grêmio estudantil, em contraste com a paz de catedral na outra Casa.

Enquanto a eleição na Câmara entrou incerta pela noite adentro, às 18h alguns retardatários tomavam chá tranqüilamente no café do Senado. Num plenário vazio e limpo, ACM, Tasso Jereissati e Eduardo Azeredo dedicavam-se a treinar o uso de seus novos laptops. Renan Calheiros e os demais membros da Mesa já estavam eleitos e empossados, Sarney já se retirara para seu gabinete pessoal proclamando alívio e satisfação com o rito final de seu mandato. Mais uma transição bem sucedida, de fato.

E, no entanto, lembrava o líder Mercadante ao se retirar, no Senado a correlação de forças entre governo e oposição é muito mais apertada, a oposição muito mais aguerrida e a agenda legislativa tem sido mais pressionada por leis que ali têm encontrado a fórmula final negociada. Nem por isso houve ali candidatos avulsos ou desacato às indicações partidárias. Com um só candidato a todos os cargos, a votação secreta pôde ser feita pelo painel eletrônico, o que tudo facilitou e agilizou. Parabéns ao Senado, portanto. Todos foram lordes no processo mas deve se reconhecer sobretudo a perseverança de Renan Calheiros e a grandeza de Sarney, que bem poderia ter ¿inventando¿ um candidato para contestá-lo, a partir do momento em que a emenda da reeleição naufragou e Renan se viabilizou no interior do PMDB. Preferiu fortalecer as instituições ¿ a Casa e os partidos.

Já a disputa na Câmara, com mais de um candidato a quase todos os cargos, marchava para um desfecho incerto no fechamento desta coluna, com a votação em cédulas de papel se arrastando e apontando para um segundo turno que, ocorrendo, terminaria por volta da meia-noite. Já se preparava o governo e a cúpula do PT para esta adversidade, jogando com todos os recursos para garantir a vitória do candidato oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh. As causas desta conturbação já foram muito lembradas, inclusive aqui. Desnecessário repeti-las agora.

Mas com qualquer resultado, a Câmara sai da eleição convulsionada, com os líderes partidários enfraquecidos e muitas frustrações acumuladas. Elas não se dissiparão da noite para o dia. Ficarão latentes, afetando aqui e ali o curso do processo legislativo. O novo presidente terá como primeira tarefa restabelecer a ordem e a hierarquia abaladas pelas disputas.

Talvez devesse começar determinando que os candidatos se encarreguem de mandar limpar os corredores e salões e de retirar a montanha de lixo eleitoral que produziram. Quando se retirava para seu novo gabinete, lançando um olhar sobre o outro lado, Sarney lembrou que o TSE deu esta orientação aos candidatos na eleição municipal passada. Talvez fosse o caso de aplicar a regra lá na Câmara, permitiu-se provocar.

Lixo físico à parte, terá o novo presidente que construir com seus pares um encaminhamento mais civilizado para a partilha das presidências de comissões técnicas entre os partidos. Já seria um passo para a superação deste mau momento. Começará a se permitir que a luta livre se repita.