Título: Salve-se quem puder
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Fonte: O Globo, 15/02/2005, O País, p. 4

O Planalto sempre meteu o bedelho em eleições no Congresso em favor dos seus. Candidaturas avulsas, contrariando bancadas, não são exatamente novidade. Tampouco mudanças indecorosas de partido na calada da noite. Por que então a sensação de que se chegou ao fundo do poço?

Talvez seja porque, desta vez, tenha ficado tudo mais escancarado ¿ não se sabe bem se em razão dos desencontros e trapalhadas na articulação do governo do PT com seus aliados, ou se em decorrência de um processo geral de desvalorização do mandato, que terá chegado agora ao ponto máximo. O fato é que ontem, na Câmara, muitos saíram com a impressão de que a exceção virou regra. Comportamentos antes vistos como condenáveis estão banalizados. No máximo, entram no repertório de piadas.

Cenas de negociação explícita, novos conceitos, tristes neologismos. Partidos desrespeitados, líderes fragilizados. Clima de vaca não conhecer bezerro.

EM QUANTO ESTÁ O I.T.? Perguntinha que os articuladores da candidatura Greenhalgh se faziam durante todo o dia. Às 13h, repassaram os números: o placar dava perto de 270 votos, suficiente para levar no primeiro turno. ¿Mas e o I.T., como anda?¿, perguntou logo o futuro líder do PT, Paulo Rocha. Era o índice de traição, medido matematicamente a cada hora.

LEASING DE DEPUTADOS: Nem aluguel, nem compra. Pode ficar ou devolver. Também na Câmara a moda é americanizada: leasing de deputados, expressão cunhada para definir a movimentação do vale-quanto-pesa, os que mudam de partido para tentar alterar a correlação de forças e obter vantagem. Hoje aqui, amanhã ali. Garotinho, no plantão oposicionista no gabinete de Michel Temer, já levara seis de seu rebanho para o PMDB e prometia mais. Só que o governo também sabe fazer leasing: inflou a bancada peemedebista em mais quatro, a fim de preservar sua maioria e reeleger o líder José Borba.

NAQUELA MESA ESTÁ FALTANDO ELE: Ele quem? O articulador do Planalto na Câmara, seja que nome tenha. A constatação de muitos é de que a eleição de Luiz Eduardo Greenhalgh é boa para a Casa. Com sua biografia irretocável, pode corrigir rumos e melhorar a imagem da instituição. Paradoxalmente, pode não ser tão prático assim para o Planalto, apesar de todo o esforço para elegê-lo. Greenhalgh não tem o perfil de líder de governo de outros presidentes que articularam a aprovação de reformas e projetos de interesse do Executivo. João Paulo, por exemplo, cumpriu esse papel. E agora?

A TRAIÇÃO ESTÁ NO AR: O cristal da disciplina petista se trincou e nunca mais será o mesmo. Depois que Virgílio Guimarães descumpriu a decisão partidária e saiu candidato avulso, perdeu-se a confiança e tudo pode acontecer. Ontem, havia rumores não confirmados de que João Paulo, agora ex, ainda pode acabar puxando o tapete de Paulo Rocha para voltar à liderança do PT. Para o Planalto, que precisa urgentemente de um articulador de primeira grandeza na Câmara, não seria mau negócio. Pelo sim, pelo não, Rocha tratou de organizar a reunião da bancada para amanhã mesmo. Fato consumado.

RECORDAR É VIVER: Por trás da indignação de pefelistas e tucanos com a entrada do Planalto em cena para eleger seu candidato, uma pontinha de inveja. Luiz Carlos Santos (PFL-SP), ex-ministro e ex-líder do governo FHC, criticava o fato de o PT ter colocado 11 ministros para cabalar votos. Até ser lembrado de que, nos bons tempos, era conhecido por ¿dar nó em pingo d¿água¿ e costumava fazer o mesmo: ¿Ah, mas nós éramos mais discretos. Articulação boa é a que só aparece no resultado¿, ensinou o professor.

JUÍZO NO NINHO: De forma civilizada, o PSDB se reuniu e decidiu respeitar os partidos e o princípio da proporcionalidade, votando em Greenhalgh. Só a deputada Zulaiê Cobra se manifestou contra: ¿Acho que deveríamos votar no Virgílio. Ele é que é a cara do PT e do Lula...¿. Voto vencido.

PARA O PT, VAI SOBRAR O QUÊ? O PT teve que dar tanto, mas tanto aos aliados para conseguir votos, que se arma uma rebelião no baixo clero petista. Além dos cargos federais que vão perder, não terão nem suplência na Mesa, nem corregedoria, nem ouvidoria e nem boas comissões da Câmara.

E O PARAÍSO, ONDE É? No tapete azul. No Senado, a Casa onde o governo nunca teve maioria, a eleição transcorreu na mais santa paz. Renan, Sarney e Mercadante eram só sorrisos.