Título: Beirute novamente em chamas
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Fonte: O Globo, 15/02/2005, O Mundo, p. 26

Numa ameaça à estabilidade do já conturbado Oriente Médio, o ex-primeiro-ministro e principal político libanês Rafik al-Hariri, de 60 anos, foi morto ontem com a detonação de mais de 300 quilos de explosivos aparentemente colocados num carro-bomba no centro de Beirute. O assassinato do articulador da precária reconciliação libanesa 15 anos atrás provocou uma onda de acusações da oposição contra o governo e a Síria, que mantém soldados no Líbano, mas um grupo radical islâmico assumiu a autoria do ataque.

A explosão ocorreu no momento em que o comboio que levava Hariri do Parlamento (ele era deputado) para casa passava em frente ao histórico Hotel Saint George, que teve a fachada destroçada. Além de Hariri, que ficou com o corpo despedaçado e já chegou morto ao hospital, seis seguranças e seis pedestres morreram. Cerca de cem pessoas ficaram feridas, muitas delas em estado grave.

¿ Tudo em torno de nós despencou. Foi como se um terremoto tivesse atingido esta área ¿ disse um pedreiro que estava próximo ao local.

A cena lembrava a época da guerra-civil (1975-1990). Mais de 20 carros ficaram incendiados. A força da onda expansiva quebrou vidros numa distância de um quilômetro. O barulho da explosão pôde ser ouvido até fora de Beirute.

Horas depois do ataque, realizado às 13h (9h de Brasília), a TV árabe al-Jazeera transmitiu um vídeo no qual uma organização até então desconhecida, o Grupo para a Defesa e a Guerra Santa no Levante, assume a autoria do ataque. Levante é a região histórica em que hoje estão Líbano, Síria, Israel, territórios palestinos e Jordânia.

¿ Em nome de nossos irmãos mujahedin na Arábia Saudita decidimos a justa execução daqueles que apóiam este regime. Este é o início de muitas operações de martírio contra os infiéis e apóstatas do Levante ¿ diz o texto lido por um homem barbado em frente a uma bandeira com o nome do grupo.

O homem no vídeo foi identificado como sendo Ahmed Aboul Adef pelas forças de segurança libanesas e sua casa, em Beirute, foi invadida à noite. Ele não estava no local. O Exército libanês declarou ter entrado em estado de emergência e postos de controle foram colados nas ruas de Beirute.

A oposição libanesa, no entanto, credita a morte de Hariri à Síria e ao governo pró-sírio libanês. Damasco mantém tropas no Líbano desde os primeiros meses da guerra civil. Atualmente há cerca de 15 mil soldados sírios no país, apesar de uma crescente pressão internacional liderada pelos EUA.

Dezenas de opositores do governo se reuniram na casa de Hariri após o ataque. Nos últimos meses, ele aproximara-se da oposição e vinha pedindo que as tropas sírias deixassem o país antes das eleições marcadas para maio. Milhares de pessoas gritavam o nome de Hariri em frente à casa.

¿A oposição responsabiliza as autoridades libanesas e a Síria por este crime e insta a comunidade internacional a assumir suas responsabilidades em relação ao Líbano e criar uma comissão de investigação.¿

Horas antes, o ex-ministro da Economia Marwan Hamadi já acusara o presidente e o premier:

¿ É um crime espantoso. A responsabilidade é conhecida, começa em Damasco, passa pelo Palácio de Baabda (sede da Presidência libanesa) e pelo governo libanês.

Hariri deixou o cargo de premier em outubro por discordar da ampliação do mandato do presidente Émile Lahoud. Em seu lugar, foi colocado Omar Karami, também pró-Síria.