Título: Estados Unidos: projeto imperial e economia
Autor: WILLIAMS GONÇALVES
Fonte: O Globo, 15/02/2005, Especial, p. 2

A convincente vitória eleitoral que determinou a reeleição de George W. Bush serviu, entre outras coisas, para mostrar que a truculenta política externa que vem implementando desde os ataques terroristas de 11 de setembro não é uma excrescência, inteiramente estranha às tradições dos EUA, como muitos observadores estrangeiros julgavam. Caso houvesse perdido as eleições, e o poder presidencial viesse a ser exercido por John Kerry, o estilo decerto seria outro, porém a definição a respeito dos interesses nacionais não poderia ser substancialmente diferente.

O núcleo do interesse nacional dos EUA neste período que sucede a Guerra Fria, independentemente da filiação partidária daquele que venha a ocupar a Casa Branca, é: como conservar por tempo indeterminado a atual condição de superpotência? Interrogação que pode ser desdobrada nas duas questões seguintes: como conservar a posição de principal economia mundial, simultaneamente defendendo os princípios que sustentam o sistema capitalista internacional e evitando a ascensão de economias nacionais que possam vir a desafiar sua liderança? E, como contribuir para a causa da paz mundial, simultaneamente respeitando o princípio da autodeterminação dos povos e esmagando todas aquelas forças nacionais que se recusam a se submeter à sua posição hegemônica?

Na visão dos liberais, o melhor meio a ser usado para que os EUA se mantenham em sua condição de superpotência econômica é persistir no caminho da globalização. De um lado, buscando o incessante avanço tecnológico e a conseqüente elevação da produtividade. E, de outro, esforçando-se para promover acordos comerciais, que resultem em maior abertura dos mercados internacionais. Segundo eles, foi a luta empreendida para a formação de um livre mercado global que permitiu que a economia americana alcançasse seu status atual. Para manter tal status seria necessário continuar, portanto, dedicando-se a esse objetivo.

O problema da execução dessa estratégia é que a interdependência econômica internacional é real. O que significa que os americanos não podem ganhar todas o tempo todo. Na prática, isso quer dizer que não há como promover o avanço tecnológico e elevar a produtividade sem gerar desemprego internamente. Assim como não há jeito de abrir os mercados sem impedir que setores menos competitivos da economia sucumbam ante a concorrência estrangeira mais eficiente. Se, na avaliação de conjunto, o saldo promete ser positivo, a questão que constrange é: como o Estado pode convidar aqueles que ficaram sem emprego e perderam seus negócios para comemorar a vitória alcançada pelas grandes corporações?

Ante esse dilema, Bush escolheu lutar para tudo ganhar, sem nada ceder. Como argumentam os ideólogos de seu governo, como Robert Kagan, com o excedente de poder de que os EUA dispõem, não faz o menor sentido perder tempo negociando e fazer concessões para obter aquilo que pode ser obtido pela pressão política ou pela força, pura e simplesmente. Só os Estados que não têm poder não têm alternativa senão negociar para realizar seus interesses. Ainda segundo Kagan, quando os europeus ocuparam posição dominante, também fizeram valer sua vontade sem negociação. Isso o leva a concluir que as críticas dirigidas a Bush são parte do jogo e não devem produzir o efeito de alterar a política externa.

A essa perspectiva autoritária de política internacional, francamente indiferente às considerações de ordem moral, os ideólogos somam o velho idealismo americano, segundo o qual as instituições dos EUA são as únicas capazes de assegurar democracia e desenvolvimento. Com base nessa idolatria de suas instituições, o governo Bush formou a idéia segundo a qual o mundo só será realmente seguro quando as instituições americanas estiverem implantadas em toda a parte. Tal nacionalismo exacerbado o tem levado a sentir-se autorizado a intervir no Oriente Médio, desprestigiando a ONU e ignorando a posição das grandes potências e, conseqüentemente, intensificando e generalizando o antiamericanismo.

Nesse sentido, a ação terrorista praticada em território americano convenceu definitivamente o governo Bush a respeito da oportunidade de levar a efeito o programa de política internacional elaborado por sua equipe. A resposta militar que deu aos inimigos procurou cumprir o duplo objetivo de destruir as bases dos grupos terroristas e praticar a intervenção direta na principal área de produção de petróleo. Com isso, o governo Bush tentou dar conta de uma das razões de incerteza econômica que aflige as camadas dirigentes do país, que é a manipulação do fornecimento e dos preços por parte dos produtores de petróleo, ao mesmo tempo em que dava satisfação a interesses mais imediatos de natureza empresarial e familiar. Em virtude do elevadíssimo consumo e, por conseguinte, da enorme despesa que tal consumo representa para o Tesouro nacional, há o consenso entre as elites americanas sobre a prioridade na luta pela conquista da segurança energética. Motivo pelo qual os dirigentes e os congressistas do Partido Democrata mantiveram-se em silêncio ante as óbvias mentiras que serviram de pretexto para a invasão do Iraque.

Essa opção de política internacional de tudo obter sem nada ceder tem resultado, porém, num sério problema. Ela provoca vultoso gasto público que tem contribuído decisivamente para o déficit orçamentário e para o déficit em conta corrente, que fazem dos EUA a nação mais endividada do mundo. Além disso, boa parte dos títulos da dívida americana está nas mãos de países asiáticos, especialmente da China, que, por seu turno, é considerada por muitos formuladores americanos como uma inimiga estratégica, cujo crescimento econômico os EUA deveriam trabalhar para conter, com vistas a impedir que ela venha a se lançar como potência candidata à hegemonia em futuro mais ou menos previsível.

Como se vê, a imposição do projeto imperial em detrimento do processo de globalização cria mais problemas do que resolve. Ao atender as reivindicações do nacionalismo americano, o projeto imperial, além dos problemas econômicos que cria, desperta a reação nacionalista em todo o mundo e, mais ainda, desgasta a imagem das elites aliadas, que tendem a se imobilizarem politicamente.