Título: A derrota ensina
Autor:
Fonte: O Globo, 16/02/2005, Panorama Político, p. 2

Riram mais os que traíram por último mas a noite dos punhais de segunda-feira não foi uma maldição sem causa. O governo não enganará ninguém dizendo que a derrota foi do PT e de seu candidato, ou apontando o vitorioso Severino Cavalcanti como aliado, embora isso seja meia-verdade. O revés foi grande e aponta para o governo um biênio bem mais difícil do que este que passou.

Para levantar e se recompor, PT e governo terão primeiro que compreender o que houve na Câmara e aprender com os erros cometidos neste processo. Errou mais o partido mas errou o governo ao deixá-lo solto e entregue às suas disputas internas em assunto tão grave.

Comecemos separando o personagem emergente e a tragédia criada em torno dele. Severino não é o problema maior. Pertence à categoria dos políticos que precisam dos favores do governo como de oxigênio. E como o governo precisará dele, acabarão se entendendo. Os sinais neste sentido já foram trocados ontem. Sua candidatura acabou transformada em estuário de duas águas - a vingança dos aliados e a revanche das oposições. Mais difícil que assimilar e absorver Câmara será recosturar a coalizão que se mostrou em frangalhos.

Os erros anteriores à eleição já foram por demais mencionados aqui: displicência na condução da reeleição, quando poderia ter sido uma solução; soberba e irracionalidade petista na hora de escolher o candidato. Soberba ao ignorar o sentimento dos aliados. Irracionalidade ao administrar uma questão de Estado como uma disputa entre tendências e grupos, pondo na balança mais uma vez os interesses paulistas.

O processo neurótico gerou a dissidência de Virgílio Guimarães, que por sua vez enfraqueceu o partido e fez ruir as regras do processo, abrindo as porteiras da contestação em todos os partidos. Será outro erro tratá-lo como o belzebu, quando tantos erraram.

Na noite da eleição em si, os erros prosseguiram. Ao levantar suspeitas sobre o rito e sua condução, Virgílio obteve o apoio de Aleluia, Severino e Bolsonaro para que fosse adotada aquela sistemática de votação demorada, com chamada individual, que prendeu os deputados no plenário por mais de 12 horas. Os que já estavam com o fígado ruim começaram a sentir pontadas. Diz-se que eleitores de Virgílio, resistentes a votar em Greenhalgh, foram induzidos a votar em Severino. No segundo turno, seria mais fácil derrotá-lo, imaginavam os governistas. A própria oposição ajudaria. Imagine se os tucanos vão votar em Severino do baixo clero.

Mas votaram, assim como os pefelistas, quando viram que o barco já estava adernado. Não lhes cabia salvar o PT. No primeiro turno, o PSDB manteve a palavra de votar no candidato oficial. Mas criada a nova situação no segundo turno, não houve quem controlasse a bancada, já com o tal gosto de sangue na boca. O PFL havia prometido apoiar Greenhalgh no segundo turno, caso Aleluia não chegasse lá, como era previsível. Não se amarrou tal acordo direito e ainda vieram outros erros. Antes do início da segunda votação, Greenhalgh foi à liderança do PFL, onde os deputados estavam reunidos com o líder Rodrigo Maia. Poderia ter falado a todos eles mas pediu para conversar com ACM Neto, que por sua vez tirou os baianos para negociarem à parte. Irritados, Rodrigo e sua tropa tomaram a nau de Severino.

Mas quem faltou ao governo foram os aliados, e eles votaram em Severino por razões diversas. Alguns, vendo nele o defensor de seus interesses (subsídios, vantagens, regalias), que põem acima dos partidos, das instituições e do país. Outros para se vingar de desatenções do governo, seja no cumprimento de acordos, na liberação de emendas, no trato pessoal mesmo. E outros ainda porque não assimilavam Greenhalgh, apesar de todos os seus esforços para dizer que é tímido e não esnobe, reservado e não elitista. Erra ele também quando põe toda a culpa no governo.

Cabe ao presidente restaurar sua coalizão estraçalhada. Resolverá parte do problema com a reforma ministerial mas será preciso também rever algumas práticas. E agora, na adversidade, as piores tentarão se impor. Cabe ainda a Lula, e só a ele, impedir que o PT estrague seu governo com querelas, ambições e estreitezas. Ao longo de 25 anos, Lula ficou acima delas. Agora, terá que subjugá-las.