Título: OLHA 2006 AÍ...
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 16/02/2005, O País, p. 4

Não foi só a incompetência da articulação governista, a fogueira das vaidades petista e a aliança entre o baixo clero e a base faminta e insatisfeita. Madrugada de terça-feira, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição, o ainda candidato Severino Cavalcanti procurou o PSDB e deu o argumento decisivo para arrebatar quase 30 votos que a bancada acabara de dar ao petista Greenhalgh: 2006.

- Estarei no palanque de vocês em 2006. Ficaremos juntos e temos que reunir a oposição desde já em torno da minha candidatura - disse ele, segundo relato dos tucanos, três horas antes de ser eleito presidente da Câmara.

Foi o suficiente para que deputados do PSDB esquecessem as boas intenções que os levaram - em nome dos partidos e da proporcionalidade - a votar no candidato oficial no primeiro turno. Ao ver a eleição tomar feição de briga entre governo e oposição (o que não ocorreria se o adversário fosse Virgílio Guimarães) não resistiram à chance de infligir uma derrota ao Planalto. Apenas cinco deputados continuaram com Greenhalgh. O resto, Severino desde criancinha.

- Sentimos gosto de sangue no plenário. 2006 entrou na briga. Temos que ficar com quem estará conosco nessa aliança - explicou o deputado Jutahy Magalhães, lembrando que Severino é um fernando-henriquista de primeira hora, fecha com o PSDB e terá papel decisivo para os oposicionistas na Câmara.

Pelo jeito, é assim que as coisas vão funcionar por lá. A crise que reduziu a pó a base governista pode antecipar o jogo pesado da disputa eleitoral de 2006. Severino, que pertence a um partido da base com um pé no Ministério, declara que não será empecilho para seu conterrâneo pernambucano do Planalto. Pode até não vir a ser. Mas a bagunça e o descontrole serão campo fértil para jogadas eleitorais e derrotas políticas se o Planalto não botar ordem na casa.

Aí é que está. Assim como é impossível jogar de volta o vapor que saiu da chaleira, será complicado recompor a relação. O pecado original foi do próprio governo, quando assumiu e jogou para o alto a promessa de mudar o jeito de fazer política no país. Manteve velhos métodos, construiu uma maioria fisiológica na Câmara e perdeu o caminho de volta. Terá que continuar jogando no varejão para garantir tranqüilidade política para chegar inteiro a 2006. Vai ficar caro.

Ontem, em meio à maior ressaca desses dois anos, governistas discutiam caminhos:

1. O governo vai assimilar Severino e ter com ele boa relação, mas precisa de articulador. Nem presidente, nem representante na Mesa. Lula está sem pai nem mãe na Câmara e tem que inventar um novo articulador, forte, com credibilidade e liderança. Achar o personagem é que são elas. Todos os disponíveis foram abatidos em pleno vôo na operação Greenhalgh.

2. Remanejamentos à vista: sinal amarelo nas nomeações e lideranças. Parou tudo. A reunião do PT que escolheria hoje o líder Paulo Rocha pode nem acontecer, pois o Planalto quer esperar para avaliar possíveis remanejamentos políticos. Pode precisar do posto para João Paulo, por exemplo. Embora machucado na eleição, ainda tem prestígio na Casa. Professor Luizinho já esteve mais seguro como líder do governo.

3. O destino de Aldo Rebelo em jogo. No jogo de empurra das culpas, o PT não poderia deixar passar a chance de atribuir a derrota à articulação de Rebelo e tentar derrubá-lo. De novo. O presidente sabe que o show de desarticulação começou em seu próprio partido, mas pode achar útil ter Aldo de volta à Câmara. Como líder do governo.

4. A reforma ministerial deve ser mais ampla. Ainda que furioso com as traições, o Planalto sabe que terá que dar mais carne aos leões. As mudanças no Ministério devem ser mais amplas do que desejaria Lula. O PP de Severino, por exemplo, que estava mais para estatal ou segundo escalão, vai levar uma pasta.

5. Primeira vítima: A MP 232, que deve ser fulminada em plenário.

6. E o PT? Vai sangrar. Todos se acusam. A derrota expôs divergências até no Campo Majoritário, grupo de Lula. A bancada é um poço até aqui de mágoa. Reuniões explosivas vêm aí.

7. Não basta ser presidente, tem que participar. Não se pode jogar a culpa da bagunça numa pessoa só. Mas se o presidente Lula se interessasse mais pela chatice da articulação parlamentar as coisas podiam ser mais fáceis. Tivesse ficado aqui - e não na Venezuela e na Guiana - telefonando e chamando uns e outros para conversar, podia ter colhido mais ganhos e menos derrotas na longa noite de terror da eleição.