Título: 'O governo não disputou, foi o PT', afirma Lula
Autor: Adriana Vasconcelos
Fonte: O Globo, 16/02/2005, O País, p. 5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou ontem a derrota na eleição da presidência da Câmara, lembrando que quem disputou foi o PT e não o governo. Em entrevista pouco antes de seguir para o Suriname, Lula afirmou que a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) não deverá trazer qualquer problema para o Executivo, porque o novo presidente da Câmara sempre votou com a base.

- O que aconteceu foi resultado de uma ação democrática. Ou seja, vai para a votação e ganha quem tem mais voto. Já falei com Severino hoje e ele sempre votou com o governo e fez parte da bancada do governo. Portanto, a divisão interna que houve acabou quando saiu o resultado. O governo não disputou, foi o PT - afirmou o presidente.

Lula diz que não haverá dificuldade com o Congresso

Lula descarta a possibilidade de o governo enfrentar uma crise política a partir do resultado da eleição na Câmara.

- Não haverá dificuldade. A Câmara não funciona assim. Não tenho dúvida de que os projetos serão votados. Não há problema. Agora, os partidos vão ter de estabelecer novas relações, na medida em que uma tradição da Câmara foi quebrada. Mas esse é um problema interno da Câmara e dos partidos, não passa pelo governo - acrescentou.

O presidente não demonstrou preocupação também com o fato de o PT ter ficado fora da composição da Mesa.

- O PT sempre esteve fora da Mesa. Isso não é problema. O que tem de novo em tudo isso não é a eleição do Severino, que era possível de acontecer, na medida em que ele era candidato. O que acho que há de novo é a necessidade de se estabelecer uma nova relação entre os partidos, já que foi quebrada uma cultura histórica da Câmara. No restante, as coisas vão continuar funcionando normalmente e não vão criar nenhum obstáculo para nenhum projeto de interesse do governo.

Presidente foi informado por um ajudante-de-ordens

Segundo Lula, o novo presidente da Câmara já teria sinalizado nessa direção:

- Não precisava ele garantir isso, porque é uma prática do Congresso. Não conheço nenhum momento em que um presidente da Câmara criou problema para o Poder Executivo. Portanto acho que vamos trabalhar tranqüilos e com serenidade. Temos muitas coisas para votar e continuar a fazer a maioria para aprovar o que precisamos.

Antes da entrevista, porém, que ocorreu no fim da tarde, o presidente não conseguiu disfarçar o desconforto com a derrota. Embora tenha ido dormir na véspera ciente de que o candidato oficial do PT ao cargo, Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), teria de enfrentar um segundo turno, a vitória de Severino surpreendeu Lula, que foi informado do resultado por um ajudante-de-ordens, quando tomava o café da manhã.

Antes de seguir para o primeiro compromisso do dia em Georgetown, o presidente conversou pelo telefone com os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Aldo Rebelo (Coordenação Política). Nos dois contatos, Lula obteve detalhes da batalha perdida pelo governo durante a madrugada, enquanto os ministros que integravam sua comitiva discutiam o tema sem esconder também a perplexidade. O primeiro a admitir isso foi o da Educação, Tarso Genro:

- Obviamente é uma surpresa. Falo por mim, não pelo governo. Não cabe fazer agora um juízo de valor, mas esperar que o novo presidente da Câmara trabalhe para assegurar uma boa relação entre o Executivo e o Legislativo, já que o deputado Severino é um parlamentar bastante experiente.

Ministros estão preocupados com desdobramentos

O ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, do PTB, tentou amenizar a derrota, ressaltando que o novo presidente da Câmara é um representante da base governista. Ele deixou escapar, no entanto, que o resultado poderá influir diretamente na reforma ministerial que deverá ser promovida pelo presidente. A expectativa é de que o prometido ministério para o PP agora saia.

Nas avaliações internas da comitiva presidencial, que incluía ainda o ministro da Saúde, Humberto Costa, e o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, o clima era de preocupação com os desdobramentos da derrota. Mas alguns chegaram a ressaltar que o resultado da eleição atinge não apenas o Executivo, como a própria imagem da Câmara, que, pela primeira vez, elege para seu comando um típico representante do chamado baixo-clero.