Título: Governo ignora crise em texto ao Congresso
Autor: Lydia Medeiros/Luiza Damé
Fonte: O Globo, 16/02/2005, O País, p. 12

Diante da incerteza da consistência de sua base parlamentar, o governo preferiu ignorar a crise representada pela derrota na eleição para a presidência da Câmara e enviou ao Congresso Nacional uma mensagem sem conteúdo político para a abertura dos trabalhos legislativos de 2005. O texto levado pelo ministro José Dirceu e assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva se restringiu a um balanço genérico, que exaltou a melhoria nos indicadores econômicos, e a um pedido ao Congresso para que continue a analisar as reformas pendentes (da Previdência, tributária e do Judiciário) e as que serão enviadas (sindical e universitária).

O texto lido pelo primeiro-secretário da Câmara, Inocêncio Oliveira (PMDB-PE), ocupa duas páginas e meia da mensagem ao Congresso, que tem 300 páginas e faz um balanço das realizações do governo em 2004, além de apresentar projetos prioritários para 2005. Na apresentação da mensagem, texto lido aos parlamentares na sessão de ontem, Lula elogia a atuação do Congresso, que classifica de "independente, autônoma, firme e responsável", ressaltando a "especial sensibilidade" dos parlamentares para projetos da área social. O presidente defende uma relação de "respeito mútuo, diálogo e parceria democrática" entre os três poderes.

Dirceu manteve olhar distante e não deu entrevista

A entrega da mensagem presidencial é sempre um momento de festa para o governo, mas desta vez quem brilhou foi o novo presidente da Câmara. Na sessão do plenário da Câmara, presidida por Renan Calheiros (PMDB-AL), novo presidente do Senado, sobraram aplausos para Severino Cavalcanti (PP-PE). Diante de Dirceu, Severino discursou de braços abertos, criticando o governo pelo excesso de medidas provisórias. Afirmou que os deputados estão inquietos e querem maior participação na vida legislativa.

- Esta é uma Casa de profunda tradição democrática, que luta pela retomada de suas prerrogativas, abaladas pela desenvoltura com que o Poder Executivo edita medidas provisórias que, do ponto de vista operacional, provocam o trancamento da pauta, imobilizando o Congresso Nacional - disse Severino, observado pela família, que foi prestigiar sua estréia.

Dirceu manteve um olhar distante e deixou o Congresso sem dar entrevistas sobre a derrota política do governo. Segundo ele, essa tarefa caberia ao ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que não compareceu à cerimônia.

Senadores concentraram-se no fundo do plenário

O novo presidente da Câmara se comprometeu a dar continuidade às reformas, especialmente à política, não incluída na mensagem do governo. E disse que a Casa voltará a ser o centro dos debates no Parlamento, posição ocupada pelo Senado nos últimos dois anos. Os senadores se concentraram no fundo do plenário e não esconderam o ar de incredulidade com a situação do governo na Câmara.

- Tempo novo exige renovação de energias, idéias atualizadas, pensamentos claros e decisões lúcidas - disse Severino.

Renan, eleito sem adversário e sem conflitos anteontem, pediu tolerância aos parlamentares e ao governo, e também defendeu mudanças nas MPs, mas usou um tom mais ameno, sugerindo que deve haver uma revisão conceitual.

- A hora não pode ser de impaciência, mas de tolerância e de conjugação de esforços, para identificarmos soluções e alternativas, não só para as questões ocasionais que ocupam os governos, que são transitórios, mas sobretudo para as questões de Estado, que são permanentes e transcendem os governos.