Título: A parte do PSDB
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/02/2005, PANORAMA POLÍTICO, p. 2

Na ressaca de ontem na Câmara, o baixo clero festejava, os petistas buscavam culpados, e a oposição fazia um silêncio desconfiado. O novo presidente, Severino Cavalcanti, tem deixado alguns perplexos mas não está dizendo nada que não tenha dito na campanha. Os tucanos nada podem lamentar. As contas póstumas mostram que eles calcularam com êxito a derrota de Virgílio Guimarães e a passagem de Severino para o segundo turno para dar no que deu.

A luta sucessória PT-PSDB de 2006 fez-se presente na noite da disputa, como mostrou Helena Chagas ao informar do encontro de Severino com os tucanos na madrugada de segunda-feira, em que lhes disse que estariam juntos em 2006. Logo, deviam estar juntos contra o PT, que agora não tem lugar na Mesa nem influência sobre a agenda de votações. Será um tempo duro, apesar das juras de colaboração de Severino.

Nas horas que antecederam a eleição, o PSDB ainda prometia 30 votos para Luiz Eduardo Greenhalgh, em nome dos princípios que regem a convivência partidária no Parlamento. Na ala mais inspirada por Fernando Henrique, ainda havia votos para Virgílio e para Aleluia, aliado do PFL. Mas cresceram os argumentos de que Virgílio, chegando ao segundo turno e sendo eleito, no dia seguinte voltaria a ser o que sempre foi, um fiel aliado do governo, pelo qual já se jogou em tarefas árduas e operações delicadas, como relator ou líder no Orçamento. Se o deixassem ir ao segundo turno, estariam apenas trocando de petista.

E então boa penca de votos tucanos migrou para Severino ainda no primeiro turno. Ele já contava com quase todo o PP e boa parte do PTB, partidos supostamente governistas. Virgílio não chegou ao segundo turno por apenas sete votos. Teve 107, Severino 124, contra 205 de Greenhalgh. Ele sabe os tucanos que perdeu na última hora. Com Greenhalgh e Severino no segundo turno, estava criada a forte correnteza pró-Severino. E nela corria de tudo: as flechas do PSDB e do PFL e os punhais dos aliados magoados e do baixo clero ressentido, voltados contra a elite parlamentar e o governo. Esta elite, que não lhes dá vez e pede o voto, Severino chamou ontem de "igrejinha", lembrando que ela reserva aos seus até a maioria das viagens internacionais. No segundo turno, o PSDB foi praticamente inteiro para Severino, junto com o PFL, que no primeiro dera seus votos a Aleluia. Mas, mesmo sem eles, a correnteza já levara todas as chances de Greenhalgh.

Por isso os perplexos com Severino na presidência devem pôr no mesmo balaio os erros do PT, já tão apontados, a ineficiência política do governo e o calculismo leviano do PSDB.

A convicção de que os tucano tiveram este papel decisivo era compartilhada ontem pelo comando petista e pelo governo, mas eles não berraram. Sabem que fizeram a sua parte, como diz o governador do Acre, Jorge Viana.

- Temos claro agora que a oposição, e principalmente o PSDB, pôs as conveniências da luta política acima dos interesses institucionais. Isso não condiz com suas práticas e sua história. Foram irresponsáveis, mas não digo isso para minimizar os erros nossos. O PT precisa refletir, perguntando onde nós perdemos, nós que já fomos tão bons em política.