Título: CERCO A SEVERINO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 17/02/2005, O País, p. 4

Não há tempo a perder com chororô, lavação de roupa suja e acusações mútuas. A política de avestruz do Planalto - que prefere fingir não ter sido derrotado - também não agrega muito. Ainda de ressaca, governo e PT começam a perceber que precisam agir rapidamente para ocupar mais espaço no novo esquema de poder da Câmara. Antes que algum aventureiro o faça.

Mesmo quando já estão ruins, as coisas sempre podem piorar, diziam ontem interlocutores do Planalto. Politicamente, o pior que poderia acontecer ao governo, na seqüência da derrota de seu candidato e da desagregação da base, seria ver o novo presidente da Casa - sem grupo político organizado na retaguarda, eleito no susto e cercado por uma Mesa onde não há sequer um representante do PT - sob a influência de forças ocultas ou adversárias.

E por aí se entenda não só a oposição, que vai botar para quebrar, como aqueles aliados que gostam de encostar a faca no pescoço do governo nas horas difíceis. O Planalto sabe que Severino não lhe fará oposição e, pessoalmente, pode até vir a ter boa vontade e colaborar. Ontem mesmo, ainda que de forma desastrada, fez um agrado a Lula defendendo a prorrogação de seu mandato por dois anos. Mas o novo presidente da Câmara pode complicar muito as coisas, dependendo de quem estiver por perto a aconselhá-lo. E da forma como for tratado.

O cenário mais temido entre governistas é aquele em que as relatorias de medidas provisórias e propostas de interesse do Planalto iriam parar nas mãos de adversários, as matérias seriam incluídas ou retiradas de pauta nos momentos errados, as questões de ordem decididas de forma desfavorável, etc etc etc - e põe etc nisso, já que são amplos os poderes de quem comanda aquela Casa.

Por isso, está sendo organizada, ainda meio na surdina, a Operação Severino. O primeiro passo é se aproximar e estabelecer com ele relações institucionais respeitosas. Não por acaso, o deputado recebeu ontem a visita do ministro Aldo Rebelo para uma conversa considerada "muito boa" no Planalto. E pode também se encontrar hoje com o presidente Lula, que certamente terá algo a conversar com o conterrâneo e também ex-retirante. É a primeira etapa de uma linha de ação que prevê:

1. Reativação do Colégio de Líderes. Sem lugar na Mesa, o PT e os líderes governistas precisam levar as principais decisões da Câmara - como, por exemplo, a pauta de votações - para um colegiado no qual tenham presença e maioria. Pelo regimento, cabe ao presidente decidir sobre a pauta, mas alguns ocupantes do cargo costumavam dividir essa e outras tarefas com o Colégio de Líderes. O objetivo do governo agora é fortalecer essa instância e torná-la mais importante do que a Mesa.

2. Estabelecer critérios e para nomeação de relatores. A intenção é fechar um acordo com Severino para que seja estabelecido um rodízio de relatorias por partido. Essa preocupação do Planalto se aplica sobretudo no caso das medidas provisórias. Como as comissões destinadas a analisá-las nunca são instaladas, o relator tem poder de vida e morte sobre o texto. E, pelo regimento, quem tem a prerrogativa de indicá-lo é o presidente da Casa. Um problemão quando não é do governo...

3. Partido de Severino será tratado a pão-de-ló. O PP, que tanto mendigou um ministério, e chegou a mandar recados ao Planalto afirmando que a candidatura Severino nem teria existido se a reforma ministerial tivesse ocorrido antes, agora está esnobando. Das duas, uma: ou fala da boca para fora, a fim de valorizar o cacife; ou vai partir para a ignorância, numa situação em que não é governo nem oposição e negociará cada posição caso a caso. Nessa hipótese, Severino será importantíssimo para seu partido. E vai sair caro.

4. Neutralizar uma Mesa hostil. A nova Mesa tem o modelito baixo clero e cheiro de oposição. Amigos, o Planalto não tem lá. Tentou, em vão, evitar adversários como José Thomaz Nonô, ex-líder da oposição, descarregando seus votos no concorrente César Bandeira, um sarneyzista, para a 1ª Vice. Perdeu e agora o governo terá um oposicionista esperto e muito articulado ao lado de Severino em todos os momentos.

5. Retomar o diálogo do PT com os aliados e recompor a base. É a tarefa mais difícil que espera o governo, e não passa exatamente por Severino. Mas quem tem maioria consistente - hoje sonho de uma noite de verão para o Planalto - não precisa se preocupar tanto com o humor do presidente da Câmara.