Título: VÍTIMAS DA INSANIDADE
Autor: Patrícia Saboya Gomes
Fonte: O Globo, 17/02/2005, Opinião, p. 7

Adotada na Assembléia Geral das Nações Unidas em novembro de 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança completou recentemente 15 anos de existência. Assinada por 192 países, ela é o documento de direitos humanos mais aceito do planeta. Mas a adesão maciça aos seus preceitos não tem operado as transformações esperadas no cotidiano de milhões de crianças e adolescentes. Nesses 15 anos, vivemos momentos dramáticos, como as guerras no Iraque e no Afeganistão, os sangrentos conflitos na Bósnia, o acirramento do terrorismo, os confrontos tribais na África e a escalada da violência nas grandes cidades de todo o mundo.

As maiores vítimas dessas insanidades produzidas pelos adultos são as crianças e os adolescentes. Também é esse segmento o que mais sente o impacto do descaso das autoridades. No relatório Situação Mundial da Infância 2005, o Unicef mostra o quanto ainda precisamos avançar para garantir o bem-estar da população infanto-juvenil. Segundo a instituição, em conseqüência da pobreza, dos conflitos armados e do HIV/Aids, os direitos de cerca de um bilhão de crianças e adolescentes são violados cotidianamente.

Apesar de dispor de uma avançada legislação na área da infância, o Brasil ainda reserva a milhões de meninos e meninas um dia-a-dia de dificuldades de acesso a boas escolas, serviços de saúde de qualidade, moradia digna, saneamento básico, cultura e lazer.

O relatório do Unicef chama a atenção para o fato de que a pobreza no país está concentrada na infância e na adolescência. O último censo do IBGE apontou 33,5% da população brasileira em famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. Quando se trata de meninos e meninas, porém, esse número sobe para 45% --- o que representa 27,4 milhões de crianças e adolescentes em situação de pobreza.

O quadro é mais grave em determinadas áreas e grupos. Na Região Norte, 60% das crianças e adolescentes vivem em famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa. E, no Nordeste, esse percentual ultrapassa 68%. Esse panorama nos coloca diante do imenso desafio de atacar as nossas disparidades regionais, elaborando políticas públicas capazes de levar em conta as peculiaridades e as necessidades de cada localidade deste país tão grande e com tantas potencialidades, mas ainda tão desigual.

Outro fator importante para o rompimento do ciclo de pobreza é a garantia do direito à educação de qualidade. Embora sejamos o país da América do Sul com a maior taxa de acesso ao Ensino Fundamental, com 97% das crianças entre 7 e 14 anos na escola, estudos revelam que o desempenho de grande parte dos alunos ainda é pífio. Segundo o Unicef, cerca de 780 mil crianças que chegaram à 4ª série em 2003 não sabiam ler.

O combate à violência, que vitima 14 mil adolescentes entre 12 e 19 anos por ano no Brasil, é também um desafio inadiável. Esses dados mostram que, apesar de não vivermos em estado de conflito armado, conforme a definição adotada pela ONU, a falta de segurança nas nossas cidades vem destroçando a vida de milhares de famílias.

Nossas crianças merecem mais respeito, atenção e cuidado. E, para mudar o destino dessas novas gerações, precisamos investir na união de esforços do governo, do Legislativo e da sociedade civil e no envolvimento cada vez mais ativo dos próprios jovens nesse processo. A Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, um movimento que reúne 120 deputados e 25 senadores, está ciente do seu papel nessa empreitada. Além de lutarmos por mais recursos para os programas sociais, pela aprovação de leis capazes de melhorar a qualidade de vida da infância e da adolescência e de exercermos uma vigilância constante das ações governamentais, acreditamos que é fundamental estimularmos a instalação de Frentes Parlamentares nos estados e nos municípios. A criação de uma rede de defesa dos direitos infanto-juvenis, unindo parlamentares no Congresso, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais, fortalecerá a nossa batalha diária para que toda criança brasileira tenha condições de se desenvolver plenamente.