Título: CIENTISTAS APRESENTAM A FERA TERRÍVEL DE MINAS
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 17/02/2005, Ciência e Vida, p. 31
Os dentes pontiagudos na frente, feitos para matar, e os mais arredondados atrás, ideais para triturar ossos, faziam do Uberabasuchus terrificus um dos maiores predadores do período Cretáceo. A nova espécie de crocodilo pré-histórico, não por acaso chamada de fera terrível de Uberaba, viveu há 70 milhões de anos na região do atual estado de Minas Gerais e foi apresentada ontem por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price.
- Em cima dos dentes, ele apresentava pequenos dentículos, como lâminas de uma faca, que serviam para que o sangue da presa escorresse todo para dentro de sua boca - contou o pesquisador Leonardo Avilla, um dos responsáveis pela apresentação da nova espécie.
Embora alcançasse no máximo três metros de comprimento, acredita-se que a fera de Uberaba fosse capaz de devorar até mesmo pequenos dinossauros.
- Acreditamos que ele podia comer praticamente tudo que passasse na frente dele - resume Avilla.
Nas palavras de Ismar de Souza Carvalho, também do grupo da UFRJ:
- Por sua dentição e porte, podemos dizer que se tratava de um grande predador. Um animal que estava no topo da cadeia alimentar.
O fóssil do crocodilo pré-histórico foi encontrado em setembro de 2000 em Peirópolis, um bairro de Uberaba. Na avaliação dos cientistas trata-se de um dos mais importantes achados paleontológicos do Brasil nos últimos anos por se tratar de um dos mais completos fósseis já encontrados: 70% de seu esqueleto estava inteiramente preservado.
- É um achado único, um marco da paleontologia, um verdadeiro tesouro - afirmou Luiz Carlos Borges Ribeiro, do Centro de Pesquisas Paleontológicas de Uberaba.
O bom estado de preservação do fóssil é resultado, em parte, das condições climáticas da região na época.
- Esses animais viviam perto de rios e lagos em ambientes muito marcados pela sazonalidade - explicou Avilla. - Acredita-se que o exemplar tenha sucumbido num período de extrema aridez e tenha sido imediatamente sepultado num momento seguinte de chuvas torrenciais.
Animal se deslocava em terra firme
O estudo inicial do fóssil, publicado na "Gondwana Research", revela que o contemporâneo dos dinossauros devia pesar cerca de 300 quilos.
Narinas frontais (similares a um focinho) e pernas mais compridas do que a dos crocodilos atuais sugerem que se tratava de um predador terrestre, capaz de se deslocar com facilidade em terra firme por longas distâncias.
- As patas bem desenvolvidas indicam que ele seria capaz de andar por quilômetros e seria bem mais ágil que os atuais crocodilos - sustenta Felipe Vasconcellos, do grupo da UFRJ, que estuda a locomoção do animal.
O estudo do fóssil corrobora a idéia do Gondwana, um supercontinente que existia na Terra há 100 milhões de anos. Isso porque, embora o animal tenha vivido há 70 milhões de anos (quando os continentes já estariam separados), ele revela grande similaridade com espécies encontradas na Patagônia, na Argentina, e em Madagascar, no sudeste da África.
- Acreditamos que havia uma conexão entre a América do Sul e a África pelo continente antártico, que, na época, apresentava um clima bem mais ameno que o atual, mais semelhante ao da América do Sul - sustenta Carvalho.
O alto grau de preservação do fóssil também permitiu que os pesquisadores inferissem a evolução desses animais em Gondwana, propondo uma nova divisão para os crocodilomorfos, em 12 grupos.
- Ele nos permitiu reorganizar a fauna de crocodilos terrestres de Gondwana - aponta Carvalho.