Título: OS DONOS DO JABUTI
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/02/2005, Panorama Político, p. 2

Esta conversa que vai e volta sobre prorrogação de mandatos e coincidência de eleições, ressuscitada agora pelo novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, é um jabuti na árvore. O presidente Lula precisa dizer taxativamente que não é sua a mão que o põe no galho. Os maiores interessados nesta idéia golpista são deputados que gostariam de ficar mais dois anos na Câmara sem disputar eleição.

Diga-se em favor do presidente da Câmara que ele tratou da questão porque lhe foi endereçada uma pergunta sobre este assunto despropositado na primeira entrevista coletiva. Mas continuou fazendo a defesa da prorrogação dos mandatos ¿ no plural, bem entendido ¿ porque isso propiciaria a coincidência geral de eleições em 2008. Daí para a frente, o país passaria a economizar com a realização de eleições apenas de quatro em quatro anos.

A unificação do calendário eleitoral tem muitos defensores, mas nem todos apelam para a prorrogação de mandatos. Uma das emendas neste sentido, do senador Paulo Octávio, propõe a eleição de prefeitos com dois anos de mandato para permitir a transição. Se em algum momento a coincidência vier a ser uma opção do país, terá que ser feita por esta via, a dos mandatos-tampões de dois anos, não pela prorrogação, um casuísmo de que se valeu a ditadura. Já nesta altura da experiência democrática retomada em 1985, não há lugar para governantes e legisladores biônicos, não sufragados pelo voto popular. A prorrogação beneficiaria o presidente, os governadores, deputados estaduais, federais e senadores.

Na Câmara, os defensores da proposta só tratam dela entre eles mesmos, nunca em público, nunca em declarações ou discursos. Mas sopram o balão, esperando que em algum momento ele suba. Entre eles mesmos, quando falam do assunto fazem um gesto bem popular. Com o polegar apontado para o próprio peito, dizem: ¿Eu sou a favor da concessão de mais dois anos de mandato ao presidente Lula¿. E a todos os outros, claro.

O presidente já refugou a idéia, quando se tentou confundi-la com uma outra formulação sua. A de que devemos, no futuro, desistir da reeleição e voltar ao mandato de seis anos. Mas deixando claro que isso jamais poderia beneficiá-lo. Ele, para ficar mais tempo, terá que disputar a reeleição em 2006.

Mas é bom que a renegue de novo, antes que o silêncio seja confundido com anuência, e percamos tempo discutindo esta impropriedade.