Título: O DILEMA DE LULA
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Fonte: O Globo, 19/02/2005, O País, p. 4

As críticas do comportado ministro Ricardo Berzoini ao Banco Central não sinalizam apenas mais uma elevação de temperatura num debate que desde sempre dividiu o governo. Neste momento, mostram mais é o clima de insegurança que tomou conta do governo. A reforma ministerial vem aí, e mais ampla do que se esperava. O Trabalho está no jogo e o ministro tenta se blindar.

Afinal, o PP de Severino Cavalcanti está de olho nesse ministério e em mais alguns. Pelo sim, pelo não, Berzoini constrói sua alternativa: agora, pode jogar para a platéia dizendo que saiu (ou foi saído) porque abriu fogo contra o BC. Isso, quem sabe, pode até fazer Lula pensar duas vezes.

O que vai acontecer nem os mais próximos do presidente sabem dizer. Lula não parece ter ainda fechado a preliminar que dará o rumo das coisas depois da tsunami Severino e da desagregação da base. É preciso montar um novo modelo de sustentação parlamentar, e também nisso, para variar, governistas e petistas estão divididos.

A cúpula do PT acha que o presidente deve montar uma base parlamentar qualitativamente melhor. Traduzindo: menos fisiológica e mais fiel, ainda que menor. Partindo da constatação de que o apoio da maioria do PTB, do PP e de boa parte do PMDB tem saído caro, sem render o retorno prometido ¿ como ficou claro no festival de traições na Câmara ¿ esse modelo prevê o fortalecimento do braço esquerdo da base.

PSB, PDT , PCdoB e até o PPS, se quisesse voltar a apoiar o governo, sairiam vitaminados do processo. Ganhariam deputados que foram parar em outros partidos da base por obra e graça do Planalto, mas escolhidos criteriosamente. A porteira seria fechada aos adeptos mais escancarados do toma-lá-dá-cá. Esse jogo inclui o PL e os setores fiéis do PMDB.

O grande problema dessa estratégia, porém, é que a base governista de mais de 350 deputados ficaria reduzida a cerca de 200 ¿ o que não é suficiente nem para maioria absoluta na Câmara. Com certa razão, seus defensores dizem que quem tem mais de 300 com o tipo de relação que existe hoje, na verdade não tem ninguém. Melhor, dizem, é ter uma base mais enxuta, mas menos titubeante e esfomeada a cada votação importante. Os votos que faltassem seriam negociados caso a caso, formando maiorias circunstanciais em torno do mérito de cada projeto.

Contrapondo-se a esse modelo estão, obviamente, os aliados. O PMDB governista e as cúpulas do PTB, do PP e do PL perderam o controle dos seus na Câmara, mas não querem largar o osso. E têm forte argumento: do mesmo jeito que o baixo clero e os aliados insatisfeitos se rebelaram para eleger o azarão Severino Cavalcanti, podem fazer o mesmo em outras circunstâncias e dar muita dor de cabeça ao Planalto. E quando aparecer de novo aquele pedido indesejável de CPI que ciclicamente atormenta todos os governos? E na hora das emendas constitucionais?

É por aí que os conselheiros não-petistas do presidente acham que não há jeito: vai ser preciso fazer das tripas coração e ampliar a participação dos ¿traidores¿ de segunda-feira no governo. Ainda que isso implique dar um ministério mais forte do que o da Pesca ao PP e ampliar a participação do PMDB com a pasta das Cidades ou equivalente.

Quem andou pelo Planalto nos últimos dias conta que o presidente fica de péssimo humor quando tem que tratar desses assuntos de demitir e contratar ministros. Mas agora não tem mais jeito: quem está na chuva é para se molhar; e quem não tem nem o presidente da Câmara e nem o do Senado, precisa de guarda-chuva.

Severino, o independente

A maior ansiedade hoje naquela Brasília que vive do poder é saber quem vai mandar na Câmara. As primeiras conclusões eram de que as forças liberais, com o pefelista José Thomaz Nonô e o neopeemedebista Inocêncio Oliveira na Mesa, iam fazer e desfazer.

Esses rumores foram bater nos ouvidos do próprio Severino, que não gostou nada da história. É adversário de Inocêncio na política pernambucana. E correu ao Planalto para tramar, com José Dirceu, a derrota de Nonô no segundo turno. Perdeu, mas não dará vida fácil ao pefelista.

Pelo estilo dos primeiros dias, vai ficando claro que quem manda em Severino é Severino. Mas se alguém quiser saber quem terá grande influência nas decisões, é só olhar para o lado do presidente da Câmara. Lá está sempre o desconhecido deputado Ciro Nogueira, também do PP, eleito segundo-secretário da Mesa.