Título: NINGUÉM SEGURA O CRÉDITO
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Fonte: O Globo, 19/02/2005, Economia, p. 21

Oaumento da taxa básica de juros Selic, fixada pelo Banco Central (BC), de 16% para 18,75% desde setembro não retraiu o crédito e as vendas do comércio. Pelo contrário: no setor de eletroeletrônicos, que mais depende do crediário, as vendas cresceram cerca de 10% em janeiro. O atrativo do consumidor são as facilidades de pagamento: em até 13 parcelas sem juros, ou em 24 vezes com taxa de 6,99% ao mês ou 125% ao ano.

As pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac) confirmam o aumento nas vendas pelo crediário. O volume emprestado para pessoas físicas saltou de R$5,34 bilhões em janeiro de 2004 para R$7,26 bilhões no mês passado nos ramos de eletrodomésticos, vestuário e jóias. Já no setor de veículos, a alta foi maior: de R$29,8 bilhões para R$38,29 bilhões. Segundo analistas, a expansão do crédito atrapalha a estratégia do BC de elevar a Selic para conter a inflação.

¿ Há dois anos, o crediário representava 60% no movimento de vendas no país. Hoje responde por 80% e há lojas em que a participação chega a 90%. Isso aconteceu porque o brasileiro passou a acreditar na economia, a confiar que ficará empregado e que a prestação caberá em seu bolso ¿ disse o economista Miguel José Ribeiro, vice-presidente da Anefac.

Rede expande em 150% o crediário

Os consumidores reclamam dos preços até 10% mais altos e dos juros que pesam na conta final. Mas, para muitos, o que importa é o valor baixo da prestação para realizar o sonho de consumo. As principais redes não alteraram as tabelas de juros e as que elevaram um pouco as taxas compensam com o parcelamento maior. Segundo a Anefac, nestes seis meses de alta da Selic, a taxa média do crediário subiu só de 6% para 6,01%.

Nas lojas da Tele-Rio, o movimento do crediário subiu mais de 150% desde 2004. A empresa banca o parcelamento sem juros em 13 vezes no cartão para a maioria dos artigos.

¿ Os clientes parcelam porque estão sem dinheiro de reserva. Se o movimento continuar melhorando, vamos abrir mais seis lojas este ano ¿ disse um diretor da Tele-Rio.

O consumidor deve se preocupar não só com os juros, mas também com as ofertas à vista. Um exemplo é o microcomputador Positivo, encontrado a R$1.799 e a R$1.999 (11% a mais em lojas na mesma rua). Há o caso também da máquina fotográfica digital oferecida por R$599 (ou em dez de R$59,90) e a R$696 (16% mais cara) inclusive em 12 vezes.

O advogado Cezar Pinheiro está aproveitando o crediário. Esta semana, adquiriu uma impressora por R$450 e vai pagá-la em seis vezes no cartão sem juros. No ano passado, ele diz que comprou dois televisores ¿ um de 29 polegadas e outro de 14 ¿ financiando em dez meses:

¿ O juro tem peso menor agora porque seu efeito é diluído com a dilatação das prestações. Em 2004, o preço de um bem financiado poderia dobrar ou triplicar e o prazo para quitar era menor. Agora, as compras cabem no orçamento das famílias.

Dados do BC mostram que o crédito consignado (descontado em folha) dobrou em 2004, de R$6,3 bilhões para R$12,4 bilhões em empréstimos. Já os números de centrais sindicais, que intermediaram contratos de financiamentos com os bancos, mostram que até setembro passado (último dado consolidado) a CUT computou a liberação de R$2,9 bilhões. Na Força Sindical, foram mais R$14,3 milhões. Para o diretor de Crédito do Banco Panamericano, Adalberto Savioli, a alta da Selic tem efeito ¿mais psicológico¿:

¿ Se o produto que ele quer cabe no orçamento, ele fecha a compra.

Os números do Panamericano mostram que o volume de empréstimos consignados em 2004 cresceu 60%. Só em dezembro, o banco concedeu R$20 milhões, contra os R$9 milhões de dezembro de 2003. Uma das causas do avanço do consumo pode estar no que os economistas chamam de transferência de crédito, quando uma pessoa troca sua modalidade de dívida. Por exemplo, por obter crédito consignado, com juros de 3% a 3,5% ao mês, para pagar o cheque especial que tem juro de até 10% ao mês.

¿ Isso garante sobra no orçamento e a folga é usada no comércio ¿ diz Fabio Pina, economista da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP).