Título: PROVA DE FOGO PARA A EUROPA
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Fonte: O Globo, 19/02/2005, O Mundo, p. 27
Quanto mais alto, maior a queda? A eventual adoção de uma Constituição européia pode alçar a unificação do continente a novas alturas ou terminar em um tombo de conseqüências imprevisíveis. Até o início do ano que vem, 22 países precisam dizer ¿sim¿ ao texto constitucional. Nove deles o farão com base num referendo popular, a começar pela Espanha amanhã.
Segundo as pesquisas, os espanhóis devem dar seu apoio ao novo Tratado da União Européia, mas a grande incógnita é o índice de participação que será registrado. Uma pesquisa do Centro de Investigações Sociológicas mostra que 90,9% dos espanhóis ignoram o que a nova Constituição propõe, embora 51,2 estejam dispostos a votar pelo ¿sim¿.
Um ¿não¿ como resposta, ainda que vindo de um único sócio, pode levar a União Européia (UE) a uma grave crise política. A Constituição só poderá entrar em vigor a partir do final do ano que vem se todos os integrantes do bloco a ratificarem.
¿ Aprovar a Constituição será uma manifestação de força e amadurecimento. Mostrará que, 50 anos depois do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Européia, os europeus querem um tratado constitucional claro e mais simples e têm vontade de prosseguir com o projeto europeu ¿ afirmou Paul Magnette, especialista em política européia da Universidade Livre de Bruxelas.
`Não¿ levaria a atrasos
Mas ninguém sabe o que pode acontecer se um dos integrantes se opuser. Acredita-se que se o ¿não¿ vier de um país de menor porte, os grandes poderão pressioná-lo a refazer o referendo ou a votação no Parlamento. Mas caso isso aconteça no Reino Unido, por exemplo, uma das maiores incertezas deste processo, os chefes de Estado terão de se reunir para pensar numa solução.
Há quem diga que se não houver consenso, volta-se à estaca zero. O texto constitucional assinado pelos chefes dos 25 países da UE em 2004 teria que ser rediscutido e submetido novamente aos parlamentos nacionais e ao público. O processo poderia levar mais alguns anos.
¿ A Constituição européia é inevitável. Reflete o interesse de todos, valores comuns. Significa que a norma substitui a negociação. Que a UE não será apenas um espaço de negociação. A não ratificação por um Estado seria um problema nacional. Poderia até retardar, mas não comprometer o futuro europeu ¿ disse Maria da Assunção Esteves, eurodeputada pelo PPE-DE e ex-juíza do Tribunal Constitucional de Portugal.
A maioria dos países deve aprovar com certa facilidade a nova Constituição, seja pelos referendos, seja nos parlamentos nacionais, como em Eslovênia, Hungria e Lituânia. Mas Reino Unido, Polônia e República Tcheca preocupam.
No Reino Unido, onde a decisão será tomada pelo Parlamento e por um referendo, embora o Partido Trabalhista do premier Tony Blair, o Liberal-Democrata e parte do Conservador sejam favoráveis ao texto constitucional, existe um movimento soberanista que engloba, inclusive, a direita conservadora. Além disso, é sabido que os ingleses têm mais restrições à UE do que outros europeus. Na República Tcheca, o Partido Social-Democrata, com maioria, é favorável, mas existe um forte movimento de oposição e uma onda de euroceticismo no país. Na Polônia, há uma grande briga política. Para aumentar a tensão, os poloneses vão as urnas este ano.
A boa notícia, segundo Magnette, é que não há nada muito específico que incomode no texto da Constituição. De maneira geral, existe uma crítica sobre a construção européia, um certo ceticismo em relação ao futuro do bloco e restrições a alguns projetos, como a adesão da Turquia.
O maior desafio no momento é explicar para a população a importância de uma Constituição única e que impacto causará em suas vidas. Segundo a pesquisa Eurobarômetro, divulgada há duas semanas, 56% dos europeus admitem pouco saber sobre o texto constitucional e outros 33% garantem que nunca ouviram falar dele.
¿ A falta de informação neste tipo de situação é normal. Os debates ficarão mais acalorados com os referendos. É o caso da Espanha. A desinformação não favorece o pleito, por criar uma grande taxa de abstenção ¿ destaca Magnette.
Apesar da demonstração de desconhecimento da maior parte dos entrevistados pelo Eurobarômetro, a pesquisa indica boa vontade com a Constituição: 49% se dizem favoráveis e outros 16%, contrários. Em todos os países as opiniões positivas superam as negativas, exceto no desconfiado Reino Unido. Outro dado importante é que o maior número de indecisos está justamente nos países onde haverá referendo: 67% na Irlanda, 53% em Portugal e 50% no Reino Unido.