Título: `Severinos¿ da Câmara vivem dias de glória
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Fonte: O Globo, 20/02/2005, O País, p. 12

Ainda alheios aos rituais e liturgia do cargo, os ¿severinos¿ da Câmara, que viviam no submundo sem ser enxergados pela elite da Casa, se deliciam agora com os paparicos de séquitos de amigos solícitos. O novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), e os outros integrantes da Mesa darão um perfil até então inimaginável ao Parlamento. São em sua grande maioria nordestinos, desconhecidos e sem expressão, que, embalados pela rebelião da base aliada contra o governo Lula, chegam ao poder. É o baixo clero ocupando a comissão de frente até então dominada pela elite da Casa.

Alguns integrantes da nova Mesa têm em comum, além da origem, problemas com processos na Justiça que podem comprometer a imagem da Câmara. O segundo-vice-presidente, Ciro Nogueira (PP-PI), está sendo processado no Supremo Tribunal Federal (STF) por prevaricação. Já o primeiro-secretário, Inocêncio de Oliveira (PMDB-PE), será julgado nos próximos dias pelo STF em denúncias de trabalho escravo. No grupo próximo a Severino também há deputados como Robson Tuma (PFL-SP) e Ricardo Fiuza (PP-PE), que já estiveram envolvidos em episódios questionáveis da política brasileira.

Gomes: `A elite me escolheu¿

Fiuza, que foi salvo do escândalo dos anões do Orçamento pelo PFL, e o também pernambucano Pedro Corrêa, presidente do PP, passaram a gravitar em torno do novo presidente da Casa. Severino e Fiuza fizeram dobradinha quando este era candidato a deputado federal e Severino, a estadual.

¿ Fiuza ajudou muito Severino na eleição. Sempre foram muito amigos ¿ diz o líder do PTB, José Múcio (PE).

Mas o termo baixo clero incomoda pelo menos um dos novos integrantes da Mesa. O terceiro-secretário, Eduardo Gomes (PSDB-TO), também nordestino e cumprindo seu primeiro mandato, diz que não se considera do baixo clero:

¿ O Diap (Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar) me colocou entre os emergentes e o meu partido também diz que não sou baixo clero. Fui escolhido por uma elite política. Se fosse baixo clero não passaria por essa peneira ¿ diz Gomes.

Mas agora o baixo clero viverá o mundo dos restaurantes grã-finos de Brasília e das grandes festas promovidas por lobistas. Os nordestinos e nortistas dizem, porém, que gostam mesmo é de uma boa buchada de bode com miúdos, galinha de capote e pastel de feira. A eleição de Severino, o seu Zito, como é conhecido em Pernambuco, deu voz a parlamentares que só diziam sim aos líderes e, como eleitores do novo presidente, querem brilhar e ocupar espaço.

¿ Quem são os `severinos¿ do Congresso? São aqueles que ninguém via, a quem não se dava atenção, que a imprensa ainda não sabe o nome. Agora esse povo está crescendo o olho, querem presidir comissões e outras coisas mais. É a primeira vez que a história é contada aqui dentro de baixo para cima ¿ diz José Múcio.

Dos 11 novos dirigentes, o primeiro-vice-presidente, José Thomaz Nonô (PFL-AL), e Inocêncio são os únicos que ocupam posição de destaque entre os cem parlamentares mais influentes do Congresso, segundo o Diap, que faz levantamento anual para identificar os parlamentares de maior expressão.

Nonô acha que vai levar um tempo até que a opinião pública e os próprios parlamentares se convençam de que Severino não será apenas um presidente folclórico, e que possa provar competência para administrar a Casa.

¿ A mesma estupefação aconteceu na eleição do Lula. O que tem surpreendido mais é a franqueza do Severino. Declarações rudes, muito diretas, assustam. Mas ele verbaliza a linguagem popular e tem virtudes que vão aparecer ¿ diz Nonô.

O cantor preferido de Severino é Nelson Gonçalves, que ele ouve todos os dias. Mas gosta também de Schubert, gosto herdado do seu pai, saxofonista. A única diversão é ir à missa aos domingos e caminhar com a mulher, dona Amélia, por quem se diz apaixonado.

¿ Ela está muito alegre, porque tem um ótimo marido ¿ brinca Severino.

O restaurante preferido do presidente é ¿ ou era ¿ o bandejão popular da Câmara, e seu apartamento até então funcionou como a ¿pensão do seu Zito¿. Com 15 colchonetes, abriga conterrâneos pouco abonados que vão a Brasília.

A sinceridade também é a marca do novo quarto-secretário, o alagoano João Caldas (PL-AL), collorido assumido até hoje. Apreciador de cachaça e buchada de bode, é financiado por usineiros e seus restaurantes preferidos são o Carpe Diem e o popular Faisão Dourado, em Brasília. Caldas, que no mandato anterior trocou de partido oito vezes, confessa que só não bebe gasolina porque mata. Na comemoração da sua vitória, trocou o Faisão pela badalada churrascaria Porcão, restaurante preferido de Ciro Nogueira, piauiense que adora churrasco.

¿ Fui ombudsman do Collor, sou amigo dele, me ajudou, não cuspo no prato que comi ¿ diz Caldas, eleito contra a cúpula do PL como candidato avulso.

Gay de mentira para levar cargo

Alagoas tem o maior número de cargos no comando também da Mesa do Congresso Nacional: o senador Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado; Nonô na vice-presidência e o suplente da Câmara, Givaldo Carimbão (PSB). Este último conseguiu ganhar também a briga para presidir a Comissão de Minorias com o seguinte argumento: ¿Sou o único gay aqui, a menor das minorias, se tiver outro abro mão¿. Ninguém assumiu e ele, que não é gay, blefou e levou a presidência da comissão.

¿ A república de Alagoas voltou. Só que agora é a república de Alagoas do bem ¿ diz o deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), irmão de Renan e do líder do PCdoB na Câmara, Renildo Calheiros(PE).

O novo estilo na presidência da Câmara chama a atenção. As portas do gabinete estão sempre escancaradas e por lá passam centenas de pessoas. Muitos simplesmente empurram a porta e abordam Severino para uma conversinha.