Título: `MAIS DO QUE LULA, PRECISAMOS APOIAR O BRASIL¿
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Fonte: O Globo, 20/02/2005, O País, p. 16

Foram dois anos de obstinação, mas, sentado agora na varanda da residência oficial do Senado, o novo presidente da Casa, Renan Calheiros, parece confortável no papel que tanto desejou. Aos 49 anos, o alagoano dá sinais de como vai atuar. Manda recados para o PMDB e para o ex-governador Anthony Garotinho, patrocinador de filiações para controlar a bancada na Câmara e isolar os governistas. Prega a aprovação imediata da fidelidade partidária na reforma política. Lembra ao governo que o sistema de articulação política faliu e, ao PT, aconselha: ¿Pensem grande, pensem no país¿. Os planos de Renan não se limitam a reformas. Quer reativar o campo de futebol na nova casa. E desafia o time de Lula.

Como o senhor vê a guerra na bancada do PMDB da Câmara, com filiações patrocinadas pelo ex-governador Anthony Garotinho e suspeita de compra do passe de parlamentares?RENAN CALHEIROS: Esse troca-troca, essa tentativa desesperada de comandar o PMDB pela destituição do líder, significa a morte do sistema partidário brasileiro. É preciso retomar a reforma política e as condições estão criadas para isso. É igualmente fundamental que irregularidades sejam punidas. Apoiei a vinda de Garotinho para o PMDB e me dou com ele, mas ele está chegando agora e não compreende que o PMDB não é uma bancada, é um partido. Não dá para comandar o PMDB pela bancada, destituindo o líder.O ex-governador pode ser expulso?RENAN: Primeiro é preciso configurar responsabilidades para punir.O senhor está arrependido de tê-lo levado para o PMDB?RENAN: Não. O PMDB é um partido aberto, democrático e plural. A vinda de Garotinho, naquela época, só ampliava esse sentimento, mas para agir coletivamente, partidariamente.A reforma política está parada na Câmara e tem a oposição dos partidos governistas. O senhor acredita que é possível realmente aprová-la?RENAN: As pessoas dizem que a reforma política não anda, porque não está diretamente vinculada à melhoria de vida da população. Que reforma é mais importante que a mudança do sistema que decide sobre políticas públicas? A reforma política deveria ser a primeira, mas convive com obstáculos como exigir dos parlamentares que mudem as regras que os elegeram.Que pontos poderiam entrar em vigor em 2006?RENAN: Temos de dar prioridade à fidelidade partidária, cuja utilidade está sendo exigida depois do ocorrido na Câmara, ao financiamento público, que vai acabar com a promiscuidade entre candidato e financiador. E à mudança do voto proporcional para o voto em lista fechada, que fortalecerá os partidos. Tem de ser acompanhada pelo voto distrital misto.Como será sua relação com o governo a partir de agora?RENAN: Mais do que apoiar o presidente Lula, precisamos apoiar o Brasil, ajudar na construção de uma agenda que facilite a atração de investimentos, desfaça gargalos e coloque o Brasil em condição de igualdade com os demais países.Essa agenda não depende de uma melhor relação entre governo e Congresso?RENAN: O sistema de relacionamento do Congresso com partidos e líderes está exaurido. E demorou mais do que o previsto. As alianças são circunstanciais. É preciso substituí-las pela coalizão de governo, que é mais definitiva e consistente.O PMDB vai ganhar um terceiro ministério?RENAN: O PMDB não pediu e nem vai pedir nada. Foi o presidente quem disse que dois ministérios eram pouco para o partido.Não há demora nesse processo, anunciado há meses?RENAN: O tempo da reforma é do presidente. Provavelmente está trabalhando por esse momento. Se por um lado não pode demorar, por outro não é fácil convencer um partido hegemônico (o PT) a ceder espaços de poder a partidos que vai enfrentar nos estados em 2006. Essa é a dificuldade. Que conselho daria ao PT para melhorar essa situação?RENAN: Aconselharia, não ao PT, mas a setores do partido, que pensem grande, que pensem no país, na necessidade da coalizão e na confiança que deve haver entre partidos que carregam a responsabilidade da sustentação do governo.O que provocou a derrota do governo na Câmara?RENAN: Primeiro, a dupla candidatura do PT, que fragilizou o candidato oficial da base no início do processo. Segundo, a falência do modelo de articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso.A dualidade no comando da articulação política, entre os ministros José Dirceu e Aldo Rebelo, não atrapalha?RENAN: Não dá para responsabilizar pessoas. É importante redefinir atribuições. Se essa configuração ficar mais clara, vai ficar mais fácil para todos.O ministro Aldo tem sido muito criticado pelo PT.RENAN: Aldo é um dos melhores quadros do governo e tem compreensão da coalizão. Daí as dificuldades da coalizão, que o PT precisa entender.O PMDB seguirá junto com o presidente Lula em 2006?RENAN: Todo partido quer ter um candidato a presidente da República competitivo, que defenda suas bandeiras e possa fortalecer candidaturas regionais. O PMDB tem a melhor situação, já que conta com pelo menos 17 candidatos favoritos aos governos estaduais. Esse candidato (a presidente) precisa unir todas as correntes. O PMDB é grande, complexo.Isso exclui o Garotinho?RENAN: Para que alguém possa ser candidato à Presidência é preciso demonstrar que levará o partido à vitória. E além do Garotinho, temos outros nomes com condições de disputar. O partido está mais para ficar com Lula ou para lutar por uma candidatura própria?RENAN: Acho que dá para compatibilizar as duas. Pensar em ter candidato próprio e continuar cumprindo seu papel na governabilidade. O PMDB é insubstituível na governabilidade. Procedem rumores de que o senhor poderia concorrer como vice de Lula em 2006? RENAN: Meu objetivo é fazer um bom trabalho na presidência do Senado. Se a conseqüência disso for a minha candidatura ao governo de Alagoas, topo o desafio. Nunca vi candidato a vice, só quando as eleições eram desvinculadas. Hoje candidatura a vice tem de ser conseqüência, não objetivo.O presidente do PMDB hoje não agrega as correntes do partido. Ele pode ser afastado?RENAN: O presidente Michel Temer precisa manter a isenção na condução do processo e não a vanguarda de corrente. Se ele continuar tendo lado, vão aumentar as dificuldades. Gosto do Temer que soma, não o que divide. Do Temer que pensa grande, não o que olha apenas para o próprio umbigo.A reeleição do presidente Lula depende do sucesso desse governo de coalizão?RENAN: A reeleição depende dos resultados da política econômica e esses resultados serão maiores se tivermos estabilidade congressual. O senhor defendeu na sua posse mudanças nas regras para a edição de MPs.RENAN: Essa é uma prioridade primeira.Isso pode tirar poderes do presidente?RENAN: Do jeito que está, o Congresso perde poder. Tem a sua competência limitada. Se as MPs continuarem assim, degradarão nossos mandatos. Chegou a hora de enfrentarmos o problema, tratando de limitação de edição, da necessidade de termos uma comissão permanente especializada no assunto.Fala-se também na necessidade de mudança nas regras de votação do Orçamento. O senhor acha possível ter orçamento impositivo?RENAN: Entendo que está tudo errado no Orçamento. Precisamos fazer uma revolução, mudá-lo radicalmente. Precisamos reduzir a comissão, cujo número dificulta o quórum, envolver o Legislativo na elaboração orçamentária, redefinindo critérios para as emendas e para o contingenciamento. Fazendo assim a transição do caráter autorizativo do Orçamento, para o impositivo. Hoje o Orçamento é a única lei que não é lei, é quase lei. Por isso não passa de uma peça de ficção e não ajuda o Brasil na contenção do gasto público.Se depender do seu colega na Câmara, os gastos públicos vão aumentar se ele cumprir a promessa de elevar os subsídios dos parlamentares.RENAN: A eleição da Câmara reflete um estado de espírito. O Severino ganhou porque é popular e todos perceberam claramente o que ele pensa, diz e quer. Eu não vejo qualquer dificuldade na relação com ele. Essa coisa de aumento salarial e de verba de gabinete não são demandas que estão sendo postas no Senado.O senhor acha que a sociedade reagiria mal ao aumento?RENAN: O Congresso é conseqüência do que a sociedade quer. Daí a necessidade de buscar o fortalecimento da imagem da instituição, ter coerência e ter limites óbvios.