Título: Funk: transtorno até para vizinhos no asfalto
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Fonte: O Globo, 20/02/2005, Rio, p. 19

Controlados por traficantes, na contramão de leis e sem fiscalização, os bailes funk em favelas viraram fonte de transtornos para vizinhos não só de morros como do asfalto, desencadeando uma corrida ao Disque-Denúncia. Embora muito pulverizados, os bailes promovidos na Ilha do Governador (Dendê e Barbante) encabeçam as queixas, com 7,3% das 1.925 reclamações feitas em 2004 sobre excesso de barulho, tiros, venda de drogas e apologia ao crime em festas funk. Mas, somando-se os bailes realizados em favelas da região que começa no Estácio, passa pelo Rio Comprido e Santa Teresa e chega à Tijuca, o percentual de queixas chega a 13,7%. Festas em Bangu, especialmente as que acontecem na Vila Kennedy, também estão entre as que causam mais incômodo à vizinhança.

Os bailes que atraem mais público são os da Árvore Seca, no Complexo do Lins, que desbancaram os do Chapéu Mangueira, no Leme. Segundo a inspetora-chefe de investigação da Polinter, Marina Magessi, os bailes da Árvore Seca nos fins de semana reúnem 20 mil pessoas, inclusive da Zona Sul.

¿ O Lins inteiro escuta. Teve uma época que a polícia reprimiu e o pessoal deu uma parada. Mas voltou tudo de novo. O baile começa sábado à noite. E às 7h, 8h de domingo, ainda tem barulho ¿ reclama um líder comunitário.

Morro do Salgueiro faz os bailes mais violentos

Interrompido temporariamente desde o carnaval, o baile mais violento do estado, segundo Marina, é o do Morro do Salgueiro, onde, além da feira de drogas, bandidos circulam ostensivamente portando fuzis.

¿ Muitas vezes, quando acaba a festa, o pessoal desce do morro e faz arrastão em ruas próximas à Praça Saens Peña ¿ conta um morador da Tijuca.

Em dias de baile, o morador tem de usar um artifício para conseguir dormir:

¿ Boto o rádio fora de sintonia, com chiado, para abafar o som do Salgueiro. Eles fazem ¿poesias¿ elogiando a facção criminosa do morro. Sem falar nas bombas que soltam e nos tiros que disparam.

Outro morador da Tijuca, só que próximo ao Turano, se vale de recursos diferentes:

¿ Para abafar o som da quadra do Turano, coloquei tiras de plástico no ar-condicionado, para fazer barulho, e espuma nas frestas das janelas.

Ele conta o que acontece:

¿ Por volta das 3h, ouvem-se tiros e fogos. Acho que é um CD. E eles dizem: ¿galera vamos acordar. É o morro no comando¿.

Mais um vizinho do Turano, só que do lado do Rio Comprido, se queixa:

¿ Além do volume, as músicas atentam contra o pudor. É muito palavrão. Mandam as moças tirar a calcinha. Tenho cinco netos, de 2 a 5 anos, que costumam dormir na minha casa e têm de escutar isso. Valores são jogados fora.

Denúncias de ligação de bailes com roubo de cargas

A capital encabeça, com 73%, as reclamações sobre bailes funk feitas ao Disque-Denúncia. Em segundo lugar fica Caxias, com 8%. E, em terceiro, vem Niterói, com 5%. Monitoramento feito pelo Disque-Denúncia confirmou a ligação entre bailes funk e o roubo de cargas de cerveja e carne. A mercadoria é vendida nas festas a preço baixo.

Moradora da Ladeira dos Tabajaras, uma dona-de-casa lamenta, mas fala pouco sobre os inconvenientes causados pelo baile realizado na quadra da Unidos da Villa Rica:

¿ Todo mundo tem que ficar calado. O traficante daqui é o cão de brabo.

Da Zona Sul para a Zona Oeste, um morador Senador Camará, próximo à favela do Rebu, diz que nem escola escapa:

¿ A festa é na quadra de esportes. Mas, quando chove, os bandidos levam as caixas de som para a Escola municipal Mário Fernandes Pinheiro e fazem o baile lá mesmo.

Os bailes ocorrem sem que a legislação seja cumprida. Os responsáveis precisam solicitar autorização da polícia. Segundo o relações-públicas da PM, coronel Aristeu Leonardo, os pedidos devem ser feitos aos batalhões:

¿ Normalmente, os bailes se realizam sem que a PM seja informada. Sabem que não serão aprovados e fazem por conta própria. A PM só fica sabendo quando recebe uma denúncia.

O secretário municipal de Governo, João Pedro Figueira, explica que todos os bailes realizados fora de clubes e quadras (estes têm alvará definitivo) precisam requerer alvará provisório à Coordenação de Licenciamento e Fiscalização (órgão da Secretaria de Governo), que só é dado depois de autorização da polícia

¿ Fora de clubes e quadras, nos último seis meses todos os bailes que foram realizados não tiveram licença da prefeitura.

Autor da legislação que regulamenta os bailes funk como atividade cultural de caráter popular, o deputado Alessandro Calazans alega que essa lei não dispensa os bailes de licença:

¿ Geralmente, os bailes de favelas não se enquadram como movimento cultural. São patrocinados por traficantes e, às vezes, acontecem nas ruas. Nesse caso, a polícia tem de ir lá e prender todo o mundo.

Quanto a reclamações de barulho, o secretário municipal de Meio Ambiente, Ayrton Xerez, afirma que a secretaria só tem como comprovar denúncias em clubes e quadras:

¿ Quando o baile acontece dentro de uma favela, a questão é mais de segurança pública do que de poluição sonora. Não temos como mandar um fiscal a um baile como esse, colocando sua vida em risco.