Título: QUEM VAI PAGAR POR ISSO
Autor:
Fonte: O Globo, 20/02/2005, Economia, p. 31

Economista mostra como reforma tributária vai pesar mais para quem ganha menos

Na contramão do discurso do governo do PT ¿ que prega melhor distribuição de renda e redução da pobreza no país ¿ a reforma tributária proposta pelo Executivo, que já teve alguns pontos implantados desde 2003, concentra ainda mais a renda e contribui para aumentar a desigualdade social. Uma outra parte da reforma ainda está em tramitação no Congresso e, se forem aprovados todos os pontos, o índice de Gini ¿ que mede a desigualdade de um país (quanto maior, pior a desigualdade) ¿ subiria de 0,7034 para 0,7051 em 2010.

A conclusão é de uma tese de doutorado pela Universidade de Brasília (UNB), defendida pelo economista Nelson Leitão Paes no ano passado. Ela mostra os efeitos da desigualdade entre 2002 (antes do início da reforma) até 2030 (projeções). A tese foi premiada pelo Tesouro Nacional como o segundo melhor trabalho sobre tributação em 2004.

Tributação sobre consumo vai subir

O aumento da desigualdade ocorreria porque a proposta oficial reduz em 3,19% a carga tributária sobre a renda do trabalho e em 1,85% a renda sobre o capital. Mas haveria uma transferência dessa carga ¿ que pesa hoje mais sobre quem tem mais recursos ¿ para o consumo ¿ que é uma esfera que afeta os mais pobres, uma vez que engloba os itens essenciais à sobrevivência.

¿ Tributar o consumo piora a desigualdade. Por isso, um sistema que tribute mais o consumo tem que ser conjugado com uma melhoria nos gastos públicos para possibilitar que os recursos sejam direcionados para reduzir a pobreza e distribuir renda. Possibilidade que está longe da realidade brasileira ¿ afirma Paes.

O economista diz que, esse tipo de reforma, que deixa de tributar a renda para tributar o consumo, faz com que, no médio prazo, as famílias tenham condições de poupar (porque gastam menos no dia-a-dia) e, por isso, a economia tende a crescer, aumentando o bem-estar. Mas as famílias mais pobres não conseguem poupar, já que o consumo absorve todo o salário. Por isso, deve subir o número de horas trabalhadas.

Mizabel Derzi, doutora em Direito Tributário e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que, como o Brasil é altamente dependente de capitais que vêm do exterior, a opção é tributar o consumo e não a renda:

¿ O país não pode tributar o capital e a renda porque o dinheiro migra. Assim, temos que onerar mais o consumo para que o Estado possa se sustentar. Isso aumenta a desigualdade e, ironicamente, faz o país ficar mais distante dos países desenvolvidos ¿ afirma Mizabel, que assessorou a comissão especial da Reforma Tributária na Câmara.

O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), um dos responsáveis pelo atual formato da proposta de reforma, diz que a tese do economista Nelson Leitão Paes é correta. Mas justifica que o governo está criando um mecanismo para reduzir o efeito da tributação sobre o consumo por meio do Fundo Regional para atender aos estados mais pobres. Ele reconhece que o grande mérito da reforma proposta é aumentar a eficiência tributária:

¿ Para compensar tudo isso é preciso criar alíquotas progressivas para impostos como o IPTU e o IR.

A segunda fase da reforma tributária ¿ a primeira acabou com a tributação em cascata de PIS/Cofins e passou a cobrar os tributos das importações ¿ inclui a unificação do ICMS cobrado pelos estados, que seria substituído por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) a partir de 2007. Está previsto que 50% da tributação sobre a contribuição patronal ao INSS sejam transformados em um imposto sobre o Valor Adicionado, isto é, sobre o ganho das empresas.

A proposta analisada leva em conta, ainda, a redução de 0,38% para 0,08% da alíquota da CPMF, considerando que a contribuição tem prazo constitucional apenas até dezembro de 2007 e, como recai sobre o capital, a tendência é que cedo ou tarde deixe mesmo de existir.

O economista da UnB, cauteloso, explica que os cálculos em relação ao ICMS e ao futuro IVA foram feitos com base nas alíquotas cobradas pelo estado de São Paulo que, inclusive, isenta de imposto vários itens de consumo mais popular.