Título: Analistas divergem sobre função social de tributo
Autor:
Fonte: O Globo, 20/02/2005, Economia, p. 33

A constatação de que a reforma tributária proposta pelo governo pode piorar a distribuição de renda no país divide especialistas. Enquanto alguns defendem que a cobrança de impostos tenha entre seus objetivos a busca por maior eqüidade social, outros argumentam que o sistema tributário precisa priorizar a eficiência econômica e que a desigualdade brasileira deve ser combatida por políticas públicas específicas para esse fim.

É consenso entre os analistas que a tributação sobre consumo (impostos como ICMS, ISS, Cofins e PIS) é mais eficiente do que as taxas sobre rendimentos ¿ Imposto de Renda (IR) sobre salários ou ganhos de capital. Porém, os tributos sobre consumo afetam mais os mais pobres, que usam quase toda sua renda para consumir bens de primeira necessidade.

Salvador Werneck, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que os impostos sobre consumo são uma fonte mais confiável de receita, pois o avanço dos mercados financeiros e as novas modalidades de movimentação de dinheiro dificultam a tributação sobre a renda.

Tributação sobre consumo incentiva os investimentos

Pedro Cavalcanti Ferreira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acrescenta que, ao taxar mais o consumo, o governo incentiva a população a poupar. Essa poupança, diz ele, poderá financiar investimentos para ampliar a capacidade produtiva do país e acelerar o crescimento:

¿ Nem sempre o que é mais eficiente para a economia é melhor do ponto de vista distributivo. Mas política social se faz com programas sociais, e não com tributação.

Ferreira foi um dos integrantes da banca examinadora da tese de Nelson Leitão Paes, da UnB, e lembra que o estudo mostrou ganho de renda para todas as famílias brasileiras com a reforma tributária proposta pelo governo. Ou seja, as mudanças de tributação seriam eficientes. Mas os ganhos seriam maiores para famílias mais ricas, aumentando a desigualdade, completa Ferreira.

Werneck acredita que, assim como a eficiência, também a eqüidade (¿tributar desigualmente os desiguais¿) deve ser buscada no sistema tributário, que precisa ajudar nos objetivos de distribuição de renda. Ele lembra que, nos últimos anos, caiu a participação do IR, que é progressivo (tem alíquotas maiores para rendas maiores) na carga tributária. Como o IR é repartido com estados e municípios, o governo federal optou por elevar outros impostos, acentuando a falta de eqüidade. Além disso, Werneck ressalta que a tributação sobre propriedade ainda é baixa.

E a recente mudança na Cofins deve afetar mais as famílias pobres. A Cofins deixou de ser cumulativa, mas na prática houve um aumento da alíquota, que incide sobre o consumo, diz Werneck.