Título: JUROS DA DÍVIDA DEVEM BATER RECORDE EM 2005
Autor:
Fonte: O Globo, 20/02/2005, Economia, p. 35

O mesmo juro alto que tem ajudado o Banco Central (BC) a domar o fantasma da inflação vai fazer com que o governo gaste, este ano, um volume recorde em juros e encargos da dívida pública. A taxa básica Selic, que sobe desde setembro e está hoje em 18,75% ao ano fará com que o pagamento de juros da dívida atinja R$154 bilhões em 2005, segundo cálculos do economista Alex Agostini, da consultoria GRC Visão. O volume é 20% maior que o gasto em 2004 (R$128,3 bilhões) e 6% acima do recorde histórico de 2003 (R$145,2 bilhões).

Outro efeito colateral do juro alto é que alguns economistas já estão revendo suas projeções para a economia brasileira. Se as taxas permanecerem elevadas por muito tempo, a economia pode crescer menos que o esperado este ano. E mais: os juros altos podem colocar em risco o tão sonhado crescimento sustentado.

O aumento nos encargos ocorre porque 56% dos títulos públicos são corrigidos pela Selic, ou seja: quanto mais altos os juros, mais dinheiro o governo gastará em encargos da dívida. Agostini explica que, considerando um juro médio em 2005 de 18,20% ¿ ante 16,2% do ano anterior ¿ e um crescimento de 3,5% da economia, os gastos com juros (R$154 bilhões) representarão 8% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país).

Aumento dos juros compromete crescimento

No ano passado, os encargos corresponderam a 7,3% do PIB. Apesar da previsão de aumento, em 2005, o percentual ainda está longe do recorde de 9,3% registrado em 2003, diz Agostini:

¿ O que mais preocupa é que uma taxa nos níveis atuais pode comprometer o ritmo de crescimento da economia. Hoje, pensar num crescimento sustentado acima de 2% para os próximos anos parece inviável. O problema vai além dos juros. Não temos hoje uma base sólida, com fortes investimentos em infra-estrutura.

O economista, que estima hoje que o PIB brasileiro cresça 3,5% em 2005, já considera a hipótese de rever esse percentual para algo em torno de 3% se a taxa de juros não ceder. O também economista Sérgio Vale, da consultoria MB Associados, tem uma estimativa de crescimento de 3,9%, mas se mostra especialmente preocupado com a massa salarial, que é a soma de todos os rendimentos dos trabalhadores brasileiros. Vale, que antes previa numa reação maior do salário da ordem de 3,6%, vai ajustar as projeções para baixo: para apenas 3% em 2005:

¿ Cresce o número de ocupados, mas com rendimento médio baixo. Aí, o que temos é um crescimento de papel.

Como Agostini, o economista se mostra preocupado com o crescimento sustentado.

¿ Um juro tão alto é completamente incompatível com o crescimento sustentado e deve encolher o PIB de 2006, fazendo o país crescer bem abaixo de 4% ¿ diz Vale.

Cecília Hoff, do Grupo de Conjuntura da UFRJ, está mais otimista. Ela prevê uma expansão da economia de 4% este ano, embora admita que foi pega de surpresa pelo tom negativo da última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) ¿ que mostra preocupação com a demanda e admite que a alta dos juros poderia ser maior.

¿ Não acredito num crescimento menor, mas o desemprego, por exemplo, não deve cair de forma acelerada. Outro efeito colateral do juro alto.