Título: CHINA: PROTEÇÃO E MALDIÇÃO PARA HONG KONG
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Fonte: O Globo, 20/02/2005, Economia, p. 37

Desde que o território de Hong Kong foi formalmente devolvido pela Inglaterra ao governo de Pequim, em meados de 1997, a China vem funcionando para o maior centro financeiro da Ásia ora como um santo protetor ora como uma maldição. A avaliação é de Eden Woon, presidente da Câmara de Comércio Geral de Hong Kong (espécie de Fiesp da ilha).

De sua janela no 22º andar do United Centre, no centro da ilha, Woon busca formular uma opinião sobre a mais recente tentativa da China de promover Xangai ao posto de centro financeiro asiático, esvaziando a importância de Hong Kong:

¿ Não acho que o governo de Pequim queira realmente promover Xangai ao posto de centro financeiro internacional da Ásia. A China tem que evoluir muito para criar um ambiente econômico, regulatório e legal favorável para isso. Acho que a China quer apenas desenvolver Xangai e o resto do país.

Em termos industriais, o crescimento chinês é uma realidade difícil de ignorar, e com isso Woon concorda. A crise asiática de 1997 derrubou os preços dos imóveis na ilha em 40% e fez a taxa de desemprego bater os 8% anuais. De 2000 em diante, o crescimento acelerado chinês ajudou Hong Kong ¿ a eterna porta de entrada da China ¿ a evitar o pior cenário.

Mas o empurrão no comércio externo e nas bolsas da ilha teve sua contrapartida. Nos últimos dez anos, cerca de 750 mil empregos industriais migraram da ilha para o continente por conta dos benefícios fiscais e de mercado chineses. Hoje, há em Hong Kong 210 mil empregos industriais.

¿ Nossa economia é fortemente baseada em serviços e a parcela da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) é pequena. Há quem ache que todos esses empregos industriais vão sumir da ilha em 15 anos, mas, por outro lado, continuaremos fortes em serviços ¿ diz Glenda Chan, economista-chefe da Secretaria de Finanças do Departamento de Assuntos Econômicos de Hong Kong.

A China tira de um lado, mas dá do outro. Em janeiro de 2004, entrou em vigor o acordo de livre comércio que reduziu a 1% o imposto de importação para mais de mil produtos trocados pela ilha. Hoje, 40% do comércio exterior de Hong Kong derivam da China, e o percentual deve subir. Hong Kong terá acesso ao pleno mercado chinês, coisa com a qual sonham todos os países do mundo. Segundo os compromissos firmados pela China na Organização Mundial do Comércio (OMC), este acesso a outros países só começará a ser efetivado em 2008.

Mas e as dezenas de empresas que mudaram suas sedes de Hong Kong para Xangai nos últimos cinco anos?

¿ No caso de empresas de consumo de massa, pode ser verdade. Para o resto, continua sendo uma vantagem fiscal e operacional enorme ter a sede em Hong Kong ¿ diz Glenda.

Mas o maior benefício da China para Hong Kong hoje é justamente seu maior trunfo econômico: gente. Há pouco mais de um ano, quando o governo de Pequim decidiu liberar os vistos de turismo para a população de 20 grandes cidades do país, os residentes de Hong Kong temiam uma enxurrada de imigrantes ilegais. Com o controle de Pequim, não foi o que se viu. E 11 milhões de chineses foram visitar a ilha em 2004. Segundo projeções do Crédit Suisse, o fluxo de turistas da China para Hong Kong será o responsável por metade do crescimento do PIB da ilha este ano.