Título: A morte como um rito de amadurecimento
Autor:
Fonte: O Globo, 20/02/2005, O Mundo, p. 40

A psicóloga Maria Clemencia Castro, da Universidade Nacional da Colômbia, questiona a visão em relação às crianças-soldados. ¿São exércitos de jovens¿, diz, observando que eles não se vêem como crianças, tendo na guerra um ritual de passagem.

Como são as crianças-soldados?

MARIA CLEMENCIA CASTRO: Essa é uma maneira de chamar aqueles muito jovens que estão na guerra. Mas os vinculados aos grupos armados não são crianças no sentido que se conhece. Entre outras coisas porque o ato de matar parece que representaria um trânsito a uma vida adulta. O que se vê, não só pelas idades mas pelos posicionamentos, são exércitos de jovens. Encontram na guerra a possibilidade de se fazerem homens e mulheres, como num rito de passagem. Só são chamados de crianças quando saem. Mas não vivem na guerra como crianças nem se vêem assim.

A reintegração é difícil?

MARIA CLEMENCIA: A guerra lhes dá o manejo de sua própria vida. É difícil para eles a volta à família, assumir-se como filho, como menor de idade. Vêem isso com estranheza porque já se assumiram como homens ou mulheres, com as responsabilidades de seus atos, sua sexualidade. Voltam para uma sociedade que os chama de crianças, para uma situação de dependência e proteção. É difícil voltar.

Há crianças que seriam seduzidas pela guerrilha?

MARIA CLEMENCIA: Sim, para quem é fascinado por isso. Há o recrutamento, mas a questão é como cada um se posiciona diante dele. Há os que se deixam matar, mas não se deixam levar. Ou fogem, arriscam a vida, como os desertores. Mas há os que são capturados no medo e finalmente na fascinação que a guerra oferece e levarão muito tempo para sair disso. Há fascinação pelo poder, pelas armas, de fazer parte de um coletivo que transgride as normas.