Título: VOTAÇÃO PARA ENFRENTAR A CRISE EM PORTUGAL
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Fonte: O Globo, 20/02/2005, O Mundo, p. 40

Em visita ao Brasil em setembro do ano passado, o então recém-empossado primeiro-ministro de Portugal, Pedro Santana Lopes, criticou, em entrevista ao GLOBO, o ¿confuso¿ Partido Socialista (PS), que naquele momento escolhia seu líder numa acirrada disputa interna. Cinco meses depois, demitido do cargo pelo presidente Jorge Sampaio, Santana Lopes enfrenta a perspectiva de entregar o governo ao secretário-geral do PS, José Sócrates, que as pesquisas apontam como vencedor nas eleições de hoje, possivelmente com maioria no Parlamento. Na terceira eleição geral em menos de quatro anos e vivendo a maior crise econômica e política desde a Revolução dos Cravos (1974), Portugal decide hoje nas urnas seu destino, num momento em que a ampliação da União Européia leva para longe do Atlântico a atenção ¿ e as doações ¿ que Bruxelas dedica aos países menos desenvolvidos do bloco.

¿ O favoritismo do PS deve-se à conjuntura política e econômica que se vive hoje em Portugal. Essas duas conjunturas são más e tendo em conta que os partidos de governo são os dois principais partidos de direita, e que as percepções sobre o desempenho do último governo são de um modo geral bastante negativas, o PS surge como a principal alternativa de governo ¿ disse ao GLOBO a cientista política Marina Costa Lobo, da Universidade de Lisboa.

A crise portuguesa teve início em 2001, quando o déficit chegou a ameaçar o país de ser punido pela UE. Uma derrota do PS, do então premier António Guterres, nas eleições municipais o fez dissolver o governo e convocar eleições. O vencedor foi o Partido Social Democrata (PSD, de direita), comandado por José Manuel Durão Barroso.

As medidas de ajuste fiscal provocaram uma grande derrota do PSD nas eleições para o Parlamento Europeu de 2004. Na mesma época, Durão Barroso aceitou o convite para ser presidente da Comissão Européia e o PSD decidiu colocar em seu lugar o prefeito de Lisboa, Santana Lopes, apesar de ele sequer ser membro o Parlamento.

À desconfiança original, Santana Lopes acrescentou quatro conturbados meses de governo. Não cumpriu promessas de respeitar as diretrizes do governo Durão Barroso, notadamente na proposta de orçamento. Mesmo sendo considerado um mestre diante das câmeras, acabou se envolvendo em problemas com a mídia, chegando a ser acusado de censura por supostamente ter pressionado uma emissora de TV a retirar do ar um comentarista político.

Ministro se demite depois de quatro dias no cargo

A gota d¿água foi o pedido de demissão de um ministro quatro dias após assumir o cargo, dizendo que era impossível trabalhar com Santana Lopes. O presidente socialista Sampaio, então, decidiu demitir o premier.

¿ É difícil dizer quais destes fatores mais pesaram na decisão presidencial. Mas a impressão era de ¿desgoverno¿, por um lado, e de falta de garantias do cumprimento do programa de governo, especialmente nas matérias orçamentárias, por outro ¿ disse o cientista político Pedro Magalhães, da Universidade de Lisboa.

Na campanha, Santana Lopes afirmou que a crise portuguesa se deve à herança de governos do PS. Porém, não conseguiu angariar grande apoio nem em seu PSD, com o ex-premier Aníbal Cavaco Silva não permitindo que sua imagem fosse usada. Já Sócrates defendeu que a presença do Estado na economia seja mantida, mas se torne mais eficiente. Segundo analistas, as diferenças entre os candidatos não ficaram claras na campanha.

¿ As diferenças são relativamente pequenas. A moderação foi dominante na campanha, com Santana Lopes e Sócrates propondo políticas bastante semelhantes ¿ disse Marina.

Das seis pesquisas divulgadas sexta-feira, cinco afirmam que o PS ficará com mais da metade das 230 cadeiras do Parlamento. Os índices de Sócrates variam entre 46% e 45% e e os de Santana Lopes, entre 28% e 31%.