Título: A CONTA DO CAOS NA SAÚDE
Autor:
Fonte: O Globo, 21/02/2005, Rio, p. 8

Auditoria do TCM aponta déficit de R$240 milhões e faz relato dramático da crise nos hospitais

Auditoria do Tribunal de Contas do Município descobriu um rombo de R$240 milhões nas contas da Secretaria municipal de Saúde do Rio. O valor corresponde a dívidas acumuladas até 2004 com fornecedores, que ajudaram a aprofundar a crise na rede com a suspensão da prestação de serviços por falta de pagamento. O problema ocorreu porque o orçamento não foi suficiente para o pagamento de pessoal, obras e material de consumo. O rombo equivale a 15% do orçamento da pasta para o ano passado.

A crise não é só financeira. Ao visitar as oito maiores unidades do Rio em volume de atendimento, os auditores descobriram que existe hoje um déficit de 3.900 profissionais, a maioria médicos e enfermeiros. No Souza Aguiar, a maior emergência da América Latina, faltam 26 clínicos, 45 cirurgiões e 551 enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Resultado: superlotação.

Segundo o TCM, o orçamento da Saúde só foi suficiente para cobrir as despesas até maio de 2004, já que boa parte dos recursos foi usada para pagar despesas de anos anteriores. Além de atrasar o pagamento de fornecedores, a prefeitura passou a usar os fundos rotativos (verbas empregadas apenas em situações de emergência) para tentar evitar o desabastecimento na rede.

O documento relata que este ano a prefeitura vai tentar minimizar o problema repassando para as direções dos 31 maiores hospitais o gerenciamento dos recursos e estabelecendo metas de produtividade. Os hospitais e postos de saúde do município, fazem 30 mil atendimentos por ano.

No Lourenço Jorge, falta até seringa

As inspeções, feitas no último trimestre de 2004, descrevem situações dramáticas. No Hospital do Andaraí, a espera por uma cirurgia pode levar até dois anos e enfermeiras têm que aquecer a água em chaleiras para banhar pacientes inválidos. No Miguel Couto, faltam equipamentos essenciais. O Pronto Socorro não dispõe de desfibriladores. Em caso de parada cardíaca, os pacientes têm que ser transportados para outra ala. Portadores de doenças infecto-contagiosas são mantidos junto aos demais doentes e o resultado de um exame laboratorial pode levar até seis horas devido ao excesso de serviço.

¿As condições de trabalho para a equipe são precárias, tendo em vista o estresse permanente a que todos estão submetidos principalmente pela precária ou inexistente higienização dos acamados¿, diz um trecho.

A auditoria foi feita a pedido do vereador Rubens Andrade (PSC). Durante as investigações, o TCM confrontou os dados com documentos entregues pelo Conselho Regional de Medicina (Cremerj) sobre a situação desses oito hospitais. As denúncias da entidade foram quase todas confirmadas. Na época, o prefeito Cesar Maia acusou o Cremerj de agir politicamente e ter vínculos com o PCdoB.

Os auditores, porém, reconhecem que parte do problema ocorre pelo fato de o Rio atender a pacientes de outras cidades, como sustentam o prefeito Cesar Maia e o secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho. Mas isso não explica tudo. No documento, o TCM aponta outro motivo para o excesso de procura pelas unidades, com também já denunciou o ministro da Saúde, Humberto Costa, em visita ao Rio no início do mês: as falhas no atendimento da rede básica (postos e centros de saúde).

A crise financeira resulta em atendimento precário. Ontem, no setor de triagem do Hospital Lourenço Jorge, na Barra, um cartaz alertava para a falta de atendimento em oito especialidades. Não havia equipamentos como tomógrafo e aparelho de raios X, nem sequer seringas, segundo contou um enfermeiro. Os seguranças do hospital não estavam trabalhando por falta de pagamento.

A inspetora-geral para a área de Saúde do TCM, Lúcia Knoplech, acrescenta que atualmente ainda não é possível saber qual a demanda exata da Região Metropolitana:

¿ O sistema de registro dos pacientes é falho. Só será possível ter esta informação após a introdução do Cartão SUS (que começará a ser distribuído este ano e armazena informações sobre os pacientes).

O presidente do TCM, Thiers Montebello, encaminhou o documento e outros sete relatórios de inspeção realizados nos dois últimos anos para o Tribunal de Contas da União (TCU). Ele disse que a investigação será aprofundada com inspeções na rede básica de saúde para tentar identificar se há excedente de pessoal que possa ser realocado nas unidades em que existe carência de profissionais.