Título: ARGENTINA ESPERA ADESÃO DE ATÉ 75% À OPERAÇÃO PARA REESTRUTURAR DÍVIDA
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Fonte: O Globo, 21/02/2005, Economia, p. 14

Hoje começa uma semana decisiva para o futuro da Argentina. Na próxima sexta-feira, o processo de renegociação da dívida pública do país, que envolve US$81,8 bilhões, o maior calote da História, chegará ao fim. Segundo analistas locais ouvidos pelo GLOBO, o governo do presidente Néstor Kirchner poderá respirar aliviado, pois todas as projeções indicam que a taxa de adesão à operação oscilará entre 65% e 75%. O próximo desafio do país será normalizar seu relacionamento com o Fundo Monetário Internacional (FMI), suspenso em meados do ano passado.

Nas primeiras cinco semanas de operações, 90% dos investidores argentinos aceitaram a oferta do governo, que pretende reduzir uma dívida de US$81,8 bilhões para entre US$35 bilhões e US$41 bilhões. A taxa de adesão total, estimam analistas locais, chegou a 42%. No entanto, os principais analistas e bancos com operações no país asseguram que esta semana será crucial. Relatório divulgado recentemente pelo HSBC indicou que 80% ou mais dos credores participarão da operação.

¿ A taxa de adesão vai superar 70%. Houve uma mudança de estratégia dos credores, e estamos diante de um cenário que ninguém previu. Muitos investidores institucionais compraram bônus de pequenos credores que precisavam do dinheiro imediatamente, para depois participar da operação e ganhar uma diferença ¿ explicou o analista Rafael Ber, da Argentine Research.

Empresária trocou papéis de US$130 mil por US$50 mil

Segundo Ber, tudo começou quando pequenos investidores se assustaram pelo possível fracasso da operação, nas primeiras semanas, e decidiram vender seus bônus:

¿ Para grandes credores terminou sendo um bom negócio.

De fato, cansados de esperar, muitos pequenos investidores venderam seus títulos no mercado a fim de recuperar, a curto prazo, parte do dinheiro investido. Para a empresária Maria Padula, de 52 anos, foi uma decisão difícil:

¿ Eu tinha US$130 mil em bônus e já estava farta de tanta especulação. Muitas pessoas me disseram que devia lutar por uma vitória na Justiça. Mas eu não suportei mais tanta tensão, vendi os papéis e obtive US$50 mil ¿ disse Maria. ¿ A pior opção era participar da operação, porque neste governo, ou qualquer outro governo argentino, nunca sabemos o que pode acontecer. Fui vítima do corralito (confisco das contas bancárias), do calote, já estou cansada.

Para a empresária, o dinheiro investido em bônus de seu país, por recomendação de um banco estatal, era a garantia de um futuro tranqüilo. A moratória foi um balde de água fria. Um dos bônus que Maria vendeu no mercado local, o Pro4, foi cotado a 1,38 pesos por dólar. Semana passada, ele fechou a 2,93 pesos por dólar.

¿ Foi-me pago o principal, os juros foram literalmente roubados pelo governo ¿ disse a empresária.

Na Casa Rosada, o clima é de forte expectativa. Sábado passado, durante visita ao balneário de Mar del Plata, Kirchner mostrou-se eufórico:

¿ Pela primeira vez a Argentina vai ganhar.

Para FMI, Argentina não pode servir de exemplo

Preocupado com o impacto que a reestruturação da dívida argentina poderia ter na América Latina, o diretor-gerente do FMI, Rodrigo Rato, assegurou semana passada que a Argentina não deve ser fonte de inspiração para outras nações. Economistas locais que acompanharam a crise concordam.

¿ É importante destacar que antes do calote a dívida pública representava 50% do PIB. Depois da operação estimamos que chegará a 80%. Paralelamente, desde a desvalorização do peso, a dívida em dólares aumentou em US$50 bilhões ¿ disse Norberto Sosa, da consultoria Raymond James.

A boa notícia, segundo Sosa, é que a dívida terá um prazo mais longo e juros mais baixos:

¿ Não podemos esquecer que em 2002 o PIB argentino despencou 10,9%. O calote custou caro.