Título: ISRAEL FIXA DATA PARA DEIXAR GAZA
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Fonte: O Globo, 21/02/2005, O Mundo, p. 16

Num dia de decisões históricas, o Gabinete do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, decidiu a retirada de todos os assentamentos judeus da Faixa de Gaza e de quatro da Cisjordânia. A data marcada para que os colonos deixem a região é 20 de julho. Horas depois, o governo decidiu também um novo traçado para a barreira que está construindo dentro da Cisjordânia, no que muitos analistas consideram ser a fronteira imaginada por Israel com um futuro Estado palestino.

Com a decisão de ontem, pela primeira vez um governo de Israel decide abandonar territórios palestinos ocupados na Guerra dos Seis Dias, em 1967. A medida foi adotada por 17 votos a cinco, com todos os oito membros do Partido Trabalhista votando a favor e cinco dos integrantes do partido conservador Likud, de Sharon, votando contra. Um dos votos contrários foi o do ministro das Finanças e ex-premier Benjamin Netanyahu, principal adversário de Sharon no Likud.

¿ Israel deu um passo que será decisivo para seu futuro: O direito de assegurar um futuro para Israel como um Estado judeu e democrático ¿ disse Sharon após a aprovação da proposta. ¿ Comecei a servir a Israel há mais de 60 anos e tomei centenas de decisões que implicavam em vida ou morte. Mas a decisão que tomei hoje com meu governo foi a mais dura de toda a minha carreira.

Sharon, que sempre foi considerado um linha-dura, é um dos maiores defensores da política de assentamentos nos territórios ocupados. No início da sessão, ele se dirigiu ao restante do Gabinete alertando para a importância da votação.

¿ O governo discutirá hoje e decidirá sobre a questão da evacuação de assentamentos dentro do plano de retirada. Este não é um dia fácil, este não é um dia feliz.

A aprovação da lei de indenizações para os colonos a serem retirados por parte do Parlamento de Israel semana passada abrira a possibilidade para a decisão de ontem do governo.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, garantiu ao governo israelense que os colonos não deixarão os assentamentos sob fogo. ¿O povo atirará flores nos israelenses, não pedras ou balas¿, disse ele numa entrevista à revista alemã ¿Der Spiegel¿, publicada ontem. ¿Eles são pessoas como nós. Querem viver em paz e segurança dentro de suas fronteiras.¿

O grupo radical islâmico Hamas afirmou que a retirada israelense de Gaza foi uma vitória. Num comunicado divulgado logo após a decisão do governo Sharon, a organização afirmou que o desmantelamento é ¿fruto da resistência palestina.¿

A medida aprovada ontem torna ilegal a presença de cidadãos israelenses nos assentamentos a serem evacuados a partir de 20 de julho. O desmantelamento das colônias será realizado em etapas num processo que durará seis semanas. Fontes do governo afirmaram que quatro semanas deverão ser dedicadas à retirada das 22 colônias de Gaza e outras duas para os quatro assentamentos da Cisjordânia. Ainda não foi decidido qual será a ordem.

Palestinos criticam barreira israelense

A segunda grande decisão do dia foi a mudança do traçado da barreira que está sendo construída por Israel dentro da Cisjordânia. O muro passará a estar bem mais próximo da Linha Verde, fronteira anterior à Guerra dos Seis Dias desenhada sobre a linha do armistício assinada entre Israel e os países árabes depois da Guerra de Independência (1948). Segundo o governo, a mudança no traçado visa à adequação a decisões tomadas pela Suprema Corte de Israel, que considerou que a barreira estava prejudicando a vida dos palestinos da Cisjordânia.

Anteriormente, a barreira planejada ocuparia cerca de 16% da Cisjordânia. Com a decisão de ontem, tira dos palestinos quase 7% do território, sem contar Jerusalém Oriental, que é considerada anexada ao Estado de Israel por seu governo. Dois grandes assentamentos judeus próximos a Jerusalém estarão dentro dos muros. Caso seja construída, dez mil palestinos ficarão isolados do resto da Cisjordânia e centenas de milhares terão dificuldades para chegar a escolas, hospitais e locais de trabalho. A Assembléia Geral da ONU e o Corte Internacional de Haia afirmaram que a barreira é ilegal, mas Israel ignorou as decisões.

Israel considera a barreira uma proteção contra ataques terroristas. Os palestinos afirmam que se trata de uma tomada de terra e a chamam de Muro do Apartheid. O anúncio de ontem não foi bem recebido pela ANP.

¿ A barreira irá minar os esforços que estão sendo feitos para reviver o processo de paz ¿ disse o ministro de Gabinete palestino, Saeb Erekat.

Também dentro da coalizão formada por Sharon para aprovar as medidas houve discordâncias. Os mais conservadores queriam um traçado maior para proteger assentamentos na Cisjordânia. Já o líder da aliança de esquerda Yahad, Yossi Beilin, pediu que os membros do Partido Trabalhista no Gabinete não aprovassem a barreira, pois ela significaria ¿um tapa no rosto dos palestinos.¿

No front diplomático, o plano de retirada da Faixa de Gaza e a recente aproximação do governo de Israel e a ANP fez com que Egito e Jordânia decidissem ontem enviar novamente embaixadores para Israel, que tinham sido retirados desde o início da segunda intifada, em 2000. O jordaniano Marouf al-Bakhit e o egípcio Mohammed Assem chegaram a Israel ontem.

Israel também permitiu ontem que os primeiros palestinos que tinham sido deportados da Cisjordânia para a Faixa de Gaza e o exterior pudessem voltar para suas casas.