Título: AS MEDIDAS DA BASE
Autor:
Fonte: O Globo, 22/02/2005, Panorama Político, p. 2

O abismo de interesses entre o PT e os partidos que integram a coalizão governista, até aqui dissimulado por arranjos de ocasião, foi escancarado na disputa pela presidência da Câmara. Uma das hipóteses cogitadas pelos que elaboram a reação política do governo é o enxugamento da base governista: menor, porém mais coesa, traria mais segurança que a atual, nominalmente tão ampla.

No curto e no médio prazos, com vistas apenas à sustentação parlamentar do governo, é um caminho. PT e partidos de esquerda (PSB, PCdoB, PDT e PV) somam cerca de 140 votos, chegando aos 200 com o PL, e à maioria absoluta da Casa, 257 votos, com os apoios difusos que podem sempre ser buscados no varejo partidário. Afinal, como diz o ex-presidente Fernando Henrique, em tom provocativo, para que base tão ampla se o governo nem tem no momento uma agenda de reformas constitucionais? Mas se o presidente Lula é candidato à reeleição em 2006, não poderá se dar ao luxo de dispensar e escolher tanto os aliados. Precisará de uma aliança eleitoral ampla, que lhe dê palanques em todos os estados, talvez até mais do que em 2002. Em 2006, já tendo queimado parte do capital pessoal, não será a cabeça luminosa de um cometa chamado esperança, que arrastou apoios de líderes regionais mesmo quando seus partidos estavam com outros candidatos.

Os movimentos do PT, inclusive quando pensa na redução da base, indicam que o partido não fez a leitura correta do resultado da eleição municipal. Ali, os partidos aliados sentiram-se rejeitados pelo PT, que raramente abriu caminho para candidatos aliados. Mesmo assim eles cresceram e na volta ao Congresso sentiram-se fortes para impor ao governo dois meses de operação-tartaruga nas votações. O presidente não reformou o Ministério e o PT seguiu altaneiro. Escolheu o candidato a presidente da Câmara ignorando, da mesma forma, o papel dos aliados. E como a oposição também voltou mais forte e agressiva, deu no que deu.

O senador Renan Calheiros, novo presidente do Senado, mandou ontem um recado ao governo e ao PT, dizendo que a restauração da harmonia e da confiança na coalizão exige um melhor compartilhamento do poder. E de fato as concessões aos aliados, nestes dois anos, foram periféricas. O ministros temáticos são fracos, até mesmo os petistas. Os não petistas ainda mais, e isso lhes restringe a atuação política nas dificuldades.

Outro sinal de que o PT leu mal o resultado eleitoral foi dado por seu presidente, José Genoino, ao dizer, depois da derrota na Câmara, que a escolha de Luiz Eduardo Greenhalgh atendeu à linha do partido de emitir sinais à sua base histórica de esquerda, depois de ter sofrido perdas nessa área na eleição municipal. Se foi este o cálculo, foi de alto risco, pois o eleitorado na Câmara é majoritariamente de centro-direita, e não digeriu o candidato.

Não há dúvida de que o governo precisa mesmo peneirar seus aliados, separando os leais, os vacilantes e os sanguessugas. Mas se o presidente tem projeto eleitoral para 2006, terá de levá-lo também em conta na reforma ministerial, pondo no prato as infidelidades e em outro as dificuldades criadas por seu partido.