Título: ANARQUIA PARAENSE
Autor: CLÁUDIA BASTOS
Fonte: O Globo, 22/02/2005, Opinião, p. 7

Na era da globalização, o assassinato da Irmã Dorothy Stang ganhou as manchetes dos principais jornais do mundo em minutos. E pela primeira vez na história do país um assassinato no campo foi desvendado tão rápido que impressiona. Prova de que quando se tem vontade, a força e a união policial e política pode-se esclarecer crimes como este.

Até então, nenhum assassinato no campo tinha sido esclarecido tão rapidamente ¿ em apenas sete dias começaram a ser feitas as prisões dos envolvidos. A maioria desses crimes fica anos sem solução. Inquéritos são abertos ¿ ou a polícia encontra provas, os culpados desaparecem ou subornam autoridades para não irem para a cadeia. Triste realidade a do Pará...

O governo federal (representado pelo Exército e a Polícia Federal) uniu-se à Polícia Civil do Pará e ao FBI para encontrar e levar à prisão os envolvidos em mais um crime bárbaro que só denigre a imagem daquele estado.

Em fevereiro de 1991, eu trabalhava como correspondente em Belém, no Pará. No início de uma tarde recebi telefonema da Redação do Rio (onde a notícia chegou primeiro) avisando do assassinato do sindicalista Expedito Ribeiro de Souza em Rio Maria, sul do estado. Foram 10 longos dias de investigação e buscas dos jornalistas e da polícia para desvendar mais um crime no campo. O pistoleiro de aluguel José Serafim Sales, conhecido como Barreirito, foi preso num sítio de sua família na região (até hoje continua foragido) e o mandante, o fazendeiro Jerônimo Alves Amorim, entregou-se à polícia 20 dias depois. Hoje, Amorim cumpre pena domiciliar.

Assim como Expedito, outros posseiros foram assassinados em Rio Maria ¿- João Canuto (morto com 18 tiros em 18/12/1985), os irmãos Paulo e José Canuto, filhos de João, mortos numa emboscada em abril de 1989, crime que ficou conhecido como a ¿chacina dos irmãos Canuto¿.

Passaram-se quase duas décadas até que os criminosos se sentassem no banco dos réus. No caso de João Canuto, o julgamento dos mandantes do crime demorou exatos 17 anos e 5 meses. Adilson Carvalho Laranjeira, ex-prefeito de Rio Maria, e o fazendeiro Vantuir Gonçalvez de Paula foram julgados em Belém, em 22 de maio de 2003. Mesmo condenados por júri popular, por terem grande influência política no estado, dificilmente vão cumprir pena atrás das grades.

Em 1999, a Comissão Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o governo brasileiro pela demora na apuração do crime de João Canuto.

Outros tantos inquéritos e processos ainda esperam por serem concluídos na polícia e na Justiça. Há ainda aqueles que nem concluídos foram... e os criminosos continuam gozando de suas liberdades, circulando impunes pelas cidades da região do sul do Pará. Quanto mais tempo demoram as investigações e punições, mais tempo na Justiça os criminosos ganham, e, quem sabe, ainda podem entrar com recursos ¿ pela prescrição do crime, por exemplo.

Será que foi mesmo preciso o assassinato de uma religiosa americana (naturalizada brasileira) nesta área de conflitos para chamar a atenção mundial para os conflitos fundiários no Pará? Por que as autoridades estaduais e federais nunca se uniram para acabar de vez com os desmandos naquela terra sem lei?

Vivi de perto os problemas, conheci e entrevistei várias pessoas marcadas para morrer no Pará, todos por denunciarem conflitos agrários, trabalho escravo, que ainda existem na região.

Sobreviver por lá é contar com a sorte e com a ajuda de Deus. Se for esperar pela Justiça, pode-se morrer bem antes. Como aconteceu com a Irmã Dorothy Stang.